Carantonha- s.f.-contorsão do rosto, esgar, máscara, cara feia, carranca, caraça. * Em criança, na região de onde sou natural, e onde então vivia, quando se brincava ao carnaval, o artefacto que nos ocultava o rosto, era a carantonha porque por norma era coisa feia. O tempo passa, a evolução acontece, e hoje, pelo menos quando jogamos ao carnaval, usamos uma máscara. Ou será que não a usamos todos os dias?
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
" Estou convencido de que, apesar dos enormes obstáculos existentes, há uma obrigação crucial que recai sobre todos nós enquanto cidadãos: de com uma determinação intelectual inflexível, inabalável e feroz definir a verdade autêntica das nossas vidas e das nossas sociedades. É de facto uma obrigação imperativa. Se essa determinação não se incorporar na nossa visão política, não tenhamos esperança de restaurar aquilo que já quase se perdeu para nós — a dignidade do homem".
Termino com dois poemas seus.
À Minha Mulher
Eu estava morto e vivo agora
Tu pegaste-me na mão
Eu morri cegamente
Tu pegaste-me na mão
Tu viste-me morrer
E encontraste-me a vida
Tu foste a minha vida
Quando eu morri
Tu és a minha vida
E assim eu vivo.
O Mundo Está Prestes a Rebentar
Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.
Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida.
Poemas in "Várias Vozes"
domingo, 21 de dezembro de 2008
NATAL III
Quem não se lembra desta bonita canção do Geraldo Bandré, cujo refrão é assim:
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera o acontecer
Pois, para não dizerem que eu não falei de flores, hoje trago aqui, para regozijo dos carantonhas, o Natal em poesia.
HISTORIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava,e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou por milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela aldeia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter na inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
A ÚLTIMA PRENDA DO MENINO JESUS
O Menino Jesus já cansadinho
De tanto andar por cima dos telhados,
Descalçou os sapatos apertados
- Eram novos - e pô-los no caminho.
Nisto, sentiu ruído ali pertinho...
Trepou à chaminé com mil cuidados,
E que viu? - Dois tamancos esburacados
E, ao pé deles, rezando, um petizinho.
O Menino Jesus que faz então?
Sem ter nenhum brinquedo ali à mão,
Desses que tanto agradam aos garotos,
Troca os sapatos pelos do petiz.
- E depois vai ao céu mostrar, feliz,
À Virgem Mãe os sapatinhos rotos...
Adolfo Simões Muller
NATAL
Menino dormindo...
Silêncio profundo
Bem vindo, bem vindo,
Salvador do Mundo!
Noite. Noite fria.
Mas que linda que é!
De um lado Maria
Do outro José.
Um anjo descerra
A ponta do véu...
E cai sobre a Terra
A imagem do Céu!
Pedro Homem de Mello
E, caros Carantonhas, por aqui me fico, (pois vou estar ausente alguns dias), com os desejos de um Natal Feliz. E nada melhor do que finalizar com a última estrofe do poema Dia de Natal, de António Gedeão.
Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É Dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
È Natal II
NATAL
Num dos primeiros dias de Inverno, estava eu a passear pela rua do meu bairro,para fazer as compras de Natal. O céu estava com uma cor triste; havia mares de pessoas com o mesmo objectivo que eu. Passava pelas montras mas não via nada, só belas coisas inúteis a cintilarem e a parecer dizer: -"Comprai-me, comprai-me". Mas eu não caía nessa.
Continuei com o meu destino, até que vi um homem, quase nu, com um aspecto tão pobre, que não tinha pão nem o seu ninho. Ao lado dele estava um café; fui lá, comprei um chocolate quente, ofereci-lho e cobri-o com o meu casaco; ele agradeceu-me, e com uma voz rouca sussurrou-me: «que Deus te abençoe ho, ho, ho». Fiquei com as palavras na cabeça; essas palavras pareciam-me familiares. Continuei a andar lentamente, quando percebi que aquelas palavras vinham da língua polo-nortês, mais conhecida como polo nortiano, e que a pessoa que as dizia era o... De repente ouvi um barulho estranho, olhei para trás e vi o mesmo homem, que por acaso estava mais gordo, em cima de um trenó a dizer: Made in POLO NORTE, com um super motor do caraças, com renas a conduzi-lo; era quem eu pensava: o Pai Natal!
- "Ho, ho, ho, Feliz Natal"- disse ele.
E eu todo contente agradeci-lhe.
E lá ia ele no seu trenó com um motor potente, até que este ficou sem gasolina, mas eu reparei que o motor estava cheio. Então pensei logo que o trenó vinha do chinês e ere verdade; começou a chover (infelizmente) e na tira que dizia made in POLO NORTE, apareceu made in CHINA. Então fiquei a pensar que o Pai Natal é um falso e nunca mais lhe escrevi.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
É Natal
O Natal está aí. A época, o consumismo. O dia vai chegar pra semana e apesar da crise (qual crise?), continuo a pensar que, com muitas prendas, muita comida. Declaração de intenções: o meu Natal é o do Menino Jesus. Por isso fui roubar ao http://www.teoriadoscalhaus.blogspot.com/ o blog do meu amigo barcelense Flávio Lopes da Silva, do qual tive o prazer de participar na apresentação do seu novo livro de poesia "Sou um Louco que sabe tocar Acordeão", o seguinte texto:
O Natal é fixe. Ver as pessoas na rua munidas de cartão de crédito, gastando suor em décimas de segundo, contribuindo para a milionaridade do Belmiro de Azevedo, comprando coisas larocas para durar dois dias e depois, lixo, é um espectáculo a não perder neste Teatro em qualquer rua perto de si.
O nosso coração enche-se de brilhantes, vemos tudo a piscar, os preços nas lojas a piscar-nos os olhos, a madamme a experimentar um vison que o amante, que é manso, lhe diz: “leva meu amor!”.
Os shoppings carregados de ratoeiras para o freguês com chinesices e guloseimas de criar abcessos.
Os banqueiros sorrindo, as contas de uns emagrecendo e a de outros ganhando banha da boa.
O capitalismo ganhando cabedal, o operário, coitado, tem cinquenta putos ranhosos lá em casa a pedir um matraquilhos.
Gosto do natal porque nesta época a tristeza e a miséria - que parecem duas fufas - vão dar uma volta ao bilhar grande, e durante alguns dias irão dormir com o rafeiro. Ah, que sorte!
Tudo é bonito, tudo fala de amor como se isso fosse um instrumento de tocar nos lábios. A Fraternidade, esquecem-se que é um caramelo que se desgasta, e o Amor, acreditem que não sai em cabaz algum.
As crianças calçam sapatos novos mas continuam a calçar as meias rotas.
Os jornais a falarem de fadas e princesas, o mundo a maravilhar-se com a fantasia, milhões de barbies preenchem as casas. As guerras em stand by.
O negócio sempre a render, o vegetariano rompe com a sua filosofia e desbunda uma boa coxa de perú. Pela rua a beleza é um samba português já que a farsa anda bem disfarçada.
Os três reis magos a passarem na minha zona de Porshe, com seus ares de quem nunca participou em greves, anunciando o nascimento do menino pobre.
É natal. A crença ganha mais adeptos. Acreditar é um espectáculo que faz subir as caixas registadoras, mais velas derretidas para nomear um Santo padroeiro.
Depois das trocas de prendas, de passado o efeito do espumante, do circo que foi ao ver o sogro a engasgar-se com uma espinha do bacalhau, depois de olhar a factura da luz e do arrependimento de ter deixado não sei quantos dias o pinheirinho ligado, a consumir quilos de watts, depois de termos desacreditado a criança quando tentávamos imitar o Pai Natal, e ela, assim que abrimos a boca, disse: “eu conheço este hálito!”, vem a realidade ao de cima acompanhada de feras e outros gigantes horrendus; e que não está para cócegas!
Pois é, esta é a parte mais triste desta história de Natal, já que, depois da luminosidade e do riso, vem a tristeza, depois da festa surgem os telefonemas dos senhores bem educados do banco a pedir que actualizemos a nossa situação bancária, e o pai tolo e a começar a levantar a voz para a mulher que está cansada de lavar tachos queimados. E depois é o filho que quer ir para o ginásio queimar as calorias causadas pelas rabanadas, mas claro, o guito foi-se e, décimo terceiro mês só para o ano. E os operários de novo na realidade com espinhas, puxando com a força de braços as máquinas perras, a terem que produzir mais e mais, a alegria a baixar seus níveis de beleza, Jesus Cristo a ser banalizado nas anedotas, as uvas passas misturadas com a ração para o rafeiro, a guerra a fazer peito, o combustível a diminuir nos depósitos, o Ferrero Rochê a fazer estragos nos intestinos. O sentimento das pessoas a ser entendido apenas com manual de instrução!
E porque a realidade não se deixa enganar, o melhor é não oferecermos uma capa de super-homem aos nossos filhos, uma vez que ele poderá pensar que será capaz de voar e os resultados são desastrosos. Viva o Pai Natal! Viva a electrónica! Viva o Belmiro que nos deixa sonhar em cada prateleira de Hipermercado! “Viva eu cá na terra” a tentar consertar o meu pessimismo!
Ainda dizem que o Natal havia de ser todos os dias. O caraças que havia! E depois quem é que paga as favas?!"
domingo, 14 de dezembro de 2008
Depois de ter escrito o post aí em baixo, resolvi, como faço de vez em quando, revisitar a poesia de Eugénio de Andrade, um dos poetas de que mais gosto, embora não me entusiasmem particularmente os seus últimos livros. De qualquer modo, é sempre bom refrescar a memória com boa poesia. Para escrever este post tive que ter a aquiescência do Nico (o meu gato) que teimava em ter a sua lição habitual de escrita. Anda a aprender a teclar.liyg78u64767 cv6988n0’ 8ui nbfffhnbhdfngdçlhjiuyc675z5432w. Como podem ver, não minto. Autorização concedida, e para agradecer a boa vontade do Nico, achei por bem deixar-vos aqui um poema do Eugénio, no qual nos fala de alguns dos seus gatos.
ACERCA DE GATOS
Em Abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no punhal, não lhe tive,
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.
O persa azul de que se fala neste poema chamou-se Micky e foi-lhe oferecido num dia de anos, por quem sabia da sua afeição por gatos. Dele disse Eugénio: «o meu amor por esta alminha era materno». E continuou:«Que um homem assumisse poeticamente a maternidade não poderia causar estranheza mas que tratasse por “alminha” o seu gato era coisa de que só o diabo se lembraria». Um dia Micky adoeceu com cálculos renais, doença comum nos gatos persas, e não foi possível salvá-lo.
Diz-nos a terminar, o poeta: “E lembro-me bem da nossa despedida, o oiro dos olhos embaciado. Eu sempre soubera que a beleza era o que havia de mais frágil sobre a terra”.
Poema in O Sal da Língua. Prosa sobre o persa in Rente ao Chão
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Palavras
Hoje tinha pensado falar de palavras. Aqui chegado, e a esta hora, verifico que estou "seco". Nem a imaginação nem as palavras me surgem. E porque não quero maltratá-las, pois como diz Eugénio de Andrade, "são como um cristal as palavras", vou deixar que falem por mim a fotografia acima e o próprio Eugénio.
LUME DE INVERNO
O lume. O lume rasteiro. O lume
ainda. Vem de tão longe. Da casa
térrea sobre a eira,
casa onde qualquer coisa pequena
pulsava.: um coração,
a água do cântaro,
o trigo a crescer.
Era tão pequeno que não sabia
como pedir uma laranja,
um pouco de pão.
Menos ainda, um beijo.
Parecia só saber
estender as mãos para aquele sol
rasteiro e para o olhar
que dos sortilégios do lume
o defendia.
Eugénio de Andrade- In Os Sulcos da Sede - Editora Fundação Eugénio de Andrade
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Dia da Mãe
Para mim o Dia da Mãe continua a ser o dia 8 de Dezembro. Por isso aqui vos deixo um texto poético e dois poemas.
Mãe!
vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
José de Almada Negreiros, Obras Completas – Poesia,
Editorial Estampa, Agosto de 1971
PARA SEMPRE
Porque Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água puro, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Porque Deus se lembra
- mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto do seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade
MINHA MÃE QUE NÃO TENHO
Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância
Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
ai fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da flor do campo que me traz à míngua
De que Egito vieste? De qual Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.
Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?
Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
contrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.
José Carlos Ary dos Santos
In Obra Poética - Edições Avante - 1994
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Cuidado com a língua...
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Pérolas de Sabedoria
Hoje recebi de uma amiga um mail intitulado Pérolas de Sabedoria, que achei interessantíssimo e digno de ser dado a conhecer.Vou deixar aqui algumas dessas pérolas. Acho que devíamos parar por uns instantes e meditar, e desejar que tão sábias palavras sejam música para os nossos ouvidos. Paremos então e meditemos.
"No que mais se diferenciam os pássaros do ser humano,é a sua capacidade de construir mas deixando a paisagem como estava.
Robert Lynnd
"A actividade vence o frio, a quietude vence o calor"
Lao Tsé (séc. VI, A.C)
"O mundo não te deve nada. Existia antes de ti"
Mark Twain
"A primeira flor que nasceu na Terra era um convite à canção ainda não nascida"
Rabindranath Tagore
"Todos estamos de visita neste momento e lugar. Só estamos de passagem. Viemos observar, aprender, crescer, amar, e voltar para casa.
Dito aborígene - Austrália
A propósito desta última pérola lembra-me do que dizia o já meu saudoso amigo, que nos deixou a 31 de Agosto pº.pº, Joaquim Castro Caldas. Espero que lá por onde andes continues a ser " o intérprete da vontade do pássaro", pois como disse o poeta Menandro, "morrem cedo os que os deuses amam". Dizia o Joaquim:- "A vida, são as férias da morte"
Coisas (interessantes) da vida
O M sabe que de vez em quando conto esta história. Aliás, já a contei na presença dele.
A arca vai continuar aberta, e decerto será a ponte para outras histórias interessantes. Amen
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Lá vai o combóio...
terça-feira, 18 de novembro de 2008
As Avós
NOTA: Enfants de Partout é uma revista que se publica em Paris, quatro vezes por ano, e é um orgão do BICE-Bureau International Catholique de l'Enfance, que se dedica à divulgação e protecção dos direitos da criança.
E agora o texto:
AS AVÓS
Uma avó é uma mulher que não tem filhos; por isso gosta dos filhos dos outros.
As avós não têm nada que fazer é só estarem ali.
Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as folhas bonitas nem as lagartas.
Nunca dizem: despacha-te. Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem atar-nos os sapatos.
Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo, ou uma fatia maior.
Uma avó de verdade nunca bate numa criança; zanga-se, mas a rir.
As avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes.
Quando nos lêem histórias nunca saltam bocados e não se importam de contar a mesma história várias vezes. As avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo.
Não são tão fracas como elas dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós.
Toda a gente deve fazer o possível por ter uma avó, sobretudo se não tiver televisão.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Preto e Platero
Lembrei-me do Preto quando agora reli "Platero e eu" do escritor e poeta Juan Ramón Jimenez. É um dos meus livros preferidos apesar de só ter tido a oportunidade de o ler já a juventude tinha ficado para trás. Confesso que a sua singeleza, a sua ternura, o bucolismo e o ambiente idílico retratados, me encantaram. Direi mesmo que me emocionei ao lê-lo, particularmente quando chegou o momento de encarar a morte de Platero. Talvez por já terem passado alguns anos e porque a vida tenha calcinado algumas emoções, a sua releitura já não me provocou a mesma reacção. No entanto, continua a ser um dos meus livros preferidos. Fica aqui um pouco do "Platero e eu".
"Platero, é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro.
Deixo-o solto, e vai para o prado, e acaricia levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas...
Chamo-o docemente: «Platero», e ele vem até mim com um trote curto e alegre que parece rir em não sei que guizalhar ideal...
...........
ASNOGRAFIA
Leio num dicionário: «Asnografia: s. f.: diz-se, ironicamente, da descrição do asno».
Pobre asno! Tão bondoso, tão nobre, tão inteligente como nós! Ironicamente... Porquê? Nem uma descrição séria mereces tu, cuja descrição exacta seria um conto de Primavera? Se ao homem que é bom deveriam chamar asno! Se ao asno que é mau deveriam chamar homem! Ironicamente... De ti, tão intelectual, amigo dos velhos e das crianças, dos regatos e das borboletas, do sol e dos cães, das flores e da lua, paciente e reflexivo, melancólico e amável, Marco Aurélio dos prados...
Platero, sem dúvida compreende, olha-me fixamente com os seus grandes olhos brilhantes, de uma serena firmeza, onde o sol brilha, diminuto e refulgente, num breve e convexo firmamento negro. Ai! Se a sua peluda cabeçorra idílica soubesse que eu lhe faço justiça, que eu sou melhor que esses homens que escrevem Dicionários, quase tão bom como ele!
E escrevi à margem do livro: «Asnografia: s. f.: deve dizer-se, com ironia, claro está!, da descrição do homem imbecil que escreve dicionários».
Confesso que se tivesse possibilidade, gostava de ter um burro, como o Platero ou como o saudoso Preto.
Se ainda não leram "Platero e eu", espero que este trecho do livro vos incentive.
Juan Ramón Jimenez nasceu em Moguer, Andaluzia, em 23 de Dezembro de 1881, filho de uma família abastada. Fez os estudos secundários no colégio jesuíta de Porto se Santa Maria. Estudou direito em Sevilha, por vontade do pai, e pintura, por vontade própria.Começou a ler os poetas espanhóis mais famosos da época. Foi para Madrid em Abril de 1900. A morte repentina do pai causou-lhe um traumatismo para toda a vida: o pavor da morte súbita e o consequente desejo de ter sempre um médico perto de si. Mudou-se para Porto Rico em resultado de sucessivas viagens e hospitalizações por motivo das frequentes depressões nervosas. Juan Ramón Jimenez ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1956 e morreu a 29 de Maio de 1958.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
No dia de São Martinho vai à adega...
Martinho nasceu no então império romano, em Panónia, hoje Hungria entre 315 e 317. Era filho de um soldado romano e como mandava a tradição, filho de militar segue a vida militar. Entrou para o exército aos 15 anos e chegou a cavaleiro da guarda imperial. Vem desse tempo a mais conhecida lenda sobre o santo. Num dia de rigoroso Inverno, com chuva e trovoada, Martinho seguia a caminho de França, e então apareceu-lhe um homem muito pobre, meio desnudado e cheio de frio, que lhe pediu uma esmola. Martinho não tinha nada para lhe dar e então com a espada rasgou a sua capa ao meio, deu metade ao pobre e seguiu o seu caminho. Os seus camaradas de armas riram-se dele, por ficar com a capa rasgada. Este facto presume-se como verdadeiro. È aqui que entra a lenda. Foi então que a tempestade parou e um sol quente e radioso surgiu no céu. Foi o sinal do céu para compensar a bondade e as qualidades humanitárias do Santo. Daí a expressão “verão de São Martinho”. A partir desse dia Martinho começou a olhar para os cristãos de outro modo, sente-se um homem novo, é batizado em 337 ou 339 e dedica-se então a pregar o amor entre todos, pois percebe que os outros não são seus inimigos mas seus irmãos. O seu exemplo de despojamento leva a que o considerem santo. É na realidade o primeiro santo não mártir.
Deixo-vos aqui algumas quadras populares relacionadas com o santo e com as festividades pagãs:
S. Martinho ao dar a capa
Não teve frio, em verdade
Pois nada aquece melhor
Que o fogo da caridade
Tua capa S. Martinho
Deu calor a mais alguém.
Quantos com capa maior
Não agasalham ninguém.
S. Martinho ao fazer bem
Foi poeta com certeza!
- Faz poesia também
Quem sabe amar a pobreza
S. Martinho com a espada
Cortou sua capa ao meio,
Mas quanta língua danada
Só corta o casaco alheio.
Nem com capa a gente escapa
S. Martinho nesta vida:
Dona castanha tem capa
E mesmo assim é comida
No dia de S. Martinho
Olhei-te e não te esqueci.
Fui à feira atrás do vinho,
Vim da feira atrás de ti.
Se quem bebe muito vinho,
S. Martinho, faz pecado,
Tenho o inferno certinho,
Mas vou p’ra lá consolado!
Deu S. Martinho o capote
Ao pobre, por caridade.
Se ele visse o teu decote
Dava-te, ao menos, metade.
S. Martinho se viesse
A este mundo outra vez,
Não tinha pano que desse
P’ra tapar tanta nudez.
As tuas saias, Maria,
De curtas, subiram tanto,
Que S. Martinho até disse;
- Já não se pode ser santo.
sábado, 8 de novembro de 2008
A dúvida
É o tempo. "O tempo passa por nós...". É esta a dúvida. É o tempo que passa por nós, ou somos nós que passamos pelo tempo? Mesmo duvidando, quer-me parecer que somos nós que passamos. Pois se o tempo está sempre cá! Nascemos, crescemos, partimos. Cá está, partimos. Partimos do tempo que fica, está cá sempre, ainda que cada um tenha o "seu tempo". Ter "o seu tempo", "no meu tempo", no "vosso tempo", é a pequena parcela que ocupamos e que é mensurável de modo diferente para cada um. Ah, também medimos o tempo! "Do fundo do tempo". Como disse António Gedeão, "venho do fundo do tempo, não tenho tempo a perder". O tempo também tem fundo! Mas não tem cimo, isto é, não tem fim. É infinito. Lógico.
"Estamos aqui a matar o tempo". Matar o tempo? Se o matarmos não ficamos sem ele? A dúvida persiste e continuo sem saber a resposta. Mas o tempo também não tem resposta para a minha dúvida. Duvidam? Então vejam! O tempo perguntou ao tempo/ quanto tempo o tempo tem/O tempo respondeu ao tempo/que o tempo tem o tempo que o tempo tem. Outra dúvida: será que o tempo tem passado, presente e futuro? Hoje deu-me para filosofar, que querem!
Como diria Álvaro de Campos " por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça!"
TEMPO DE POESIA
Todo o tempo é de poesia.
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.
Todo o tempo é de poesia.
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação do caos
á confusão da harmonia.
FALA DO HOMEM NASCIDO
(Chega à boca de cena, e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
S´quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.
António Gedeão, Obra Completa,
Relógio D'Água Editores
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
"Pior a amêndoa que o cimento"
TEATRO
Na sala vazia sentaram-se os quatro.
E os quatro ficaram olhando, no fundo,
a mancha de luz do pequeno teatro.
- O dono do teatro – um vagabundo
que trouxera o teatro do outro lado do mundo –
por trás das cortinas puxava os cordéis…
Puxava os cordéis aos fantoches, fiéis
aos seus dedos infiéis de vagabundo.
……………………………………………………………….
Dos quatro meninos, um deles voltou,
e, tanto viu, que decorou
as falinhas mansas e a maneira
invertebrada dos fantoches de feira.
De dois dos meninos ninguém mais falou,
(e o outro é Poeta e ninguém lhe perdoa…)
mas do menino fantoche como é bom falar…
- porque o menino fantoche é hoje a pessoa
mais importante do lugar.
Sidónio Muralha, in Passagem de Nível
Novo Cancioneiro, Editorial Caminho, 1989
TOMA TOMA TOMA
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.
O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada história
da nossa própria vida.
Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral da classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.
Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.
Alexandre O’Neill, Poesias Completas (1951/1986),
Imprensa Nacional – Casa da Moeda
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
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sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Em Portugal o culto aos mortos está ligado à Igreja Católica, e remete para o Dia de Todos os Santos, um dia sagrado, e no qual se presta homenagem aos santos e mártires cristãos. A parte pagã da tradição entra aqui com as crianças, que em grupos saem à rua a pedir de porta em porta o pão – por - Deus, cantando, e recebem pão, romãs, frutos secos, e até enchidos. Em algumas regiões oferece-se um bolo chamado Santoro. Quando miúdo também cantei os santoros e na minha região até ofereciam dinheiro.
Xácara das bruxas dançando
1
Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.
Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.
Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.
No país que outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.
Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças da morte.
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.
3
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros,
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que vento de agoiro
vos apodreceu?
Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram.
Caravelas, caravelas,
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz.
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.
As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como num tambor de rojo.
Carlos de Oliveira, in Trabalho Poético
Editora Sá da Costa, s/data
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Com o teu olhar
O texto que se segue, do qual eu gosto particularmente, demonstra-o. Será uma prosa poética, ou um poema em prosa?. Melhor, é um prosema.
(*) O texto entre aspas e em itálico, faz parte de uma crónica, “Texto”, que consta do seu livro de crónicas À Esquerda de Deus.
COM O TEU OLHAR
responde-me com o teu olhar.
só com o teu olhar. onde quer que estejas.
responde-me com o teu abraço que me conforta este tempo
confuso de andar por aí
por mim a dentro
fugindo à chuva brava da noite escura.
procura para mim aqueles que gostam de Brel que não se esqueceram de Liszt.
procura para mim os tocadores de piano que dizem adeus enquanto envelhecem
aqueles que vão morrendo nos calendários com Chopin nos dedos
e que não choram e que não sabem chorar quando a alma parte definitivamente partida em pedaços de som e de êxtase.
encontra para mim quem ainda saiba andar descalço sobre o chão
descalço assim sem mais nem menos sem medo dos bichos das febres e do absurdo.
procura então quem se lembre…
será que alguém se lembra ainda da agonia e da barafunda de partir para uma guerrilha lá longe e de voltar
e da alegria de voltar e da alegria de quem nos vê voltar
e que depois desaparecem e que depois…
já são outros que não são nossos e que são quase estranhos a esperar-nos?
e são estranhos quase para sempre e que têm poucos beijos para nós
e nós estamos sós entre milhões de companhias que não são companheiros.
dois instantes depois partimos o coração que era branco e ganhamos uma sombra desconfiada entre o peito e a vida.
encontra para mim aquele anjo
o único anjo que existe
e que dormia todas as noites no telhado da minha casa.
aquele anjo que ainda sinto hoje todas as noites aos pés da minha cama com a voz calma de quem não sabe nunca abandonar-me ao frio de histórias outras.
conta-me uma história ou fala-me da vida. só mais uma vez mas para sempre se puderes.
procura para mim aquele eu que se escondia entre os jarros as rosas as sardinheiras e os trevos em vasos que se encostavam à torneira do pátio.
diz-me que está calor que os pássaros sabem as árvores e os regatos sabem as águas e que o vento que por aí ronda é apenas mais um bocado de saudade que não sabe para onde ir.
responde-me com o teu olhar:
ainda me conheces?
Com a devida vénia ao Nelson Ferraz e ao Jornal “MaiaHoje”,
onde foi publicado em 27-06-08
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Aviso
OUTONO
terça-feira, 21 de outubro de 2008
A mão de Deus
Aqui fica o poema. Julguem-no. Ou julguem o autor. Ou julguem este carantonha, que o deu à estampa. Estejam à vontade.
8.
A linha do horizonte faz uma curva perigosa e está fora de mão.
A linha do horizonte, afinal, é um embuste linear e um veículo mal conduzido.
Quem lhe deu esta grandeza esqueceu-se de que lhe estava a dar todo o poder.
Ouviste, Deus?, é contigo .
Ou será que te enganaste e não percebeste que o horizonte não é para se ver de cima?
Já não é a primeira vez que te apanho em falso.
Repara nos homens.
Nas guerras.
Na fome.
Nos incêndios e nas cheias.
Queres pior?
Repara na mentira.
Queres um resumo? Repara em ti.
Já sei, já sei. Para estes casos tu não és nenhuma entidade superior,
tu és dentro de cada um de nós.
Mas a multa do horizonte fora de mão, essa pagas tu.
Do livro "Quando não souberes copia", edição CAMPO DAS LETRAS, 1ª edição, Maio de 1997
sábado, 18 de outubro de 2008
O que aprendeste hoje na escola...
O que aprendeste hoje na escola
(Tom Paxton, cantado por Pete Seeger)
O que aprendeste hoje na escola, meu querido menino?
Aprendi que Washington nunca mentiu
Aprendi que os soldados raramente morrem
Aprendi que toda a gente é livre
Foi isso o que o professor me disse
E foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola meu querido menino?
Aprendi que a gueera não é assim tão má
Aprendi que a justiça nunca acaba
Aprendi que os assassinos morrem pelos crimes que cometem
Ainda que nós erremos algumas vezes
E foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola, querido menino?
Aprendi que a gurre não é assim tão má
Aprendi acerca dos notáveis que tivemos
Lutámos na Alemanha e em França
E qualquer dia eu terei a minha oportunidade
Foi isso que aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola, querido menino?
Aprendi que o nosso governo deve ser forte
Está sempre certo e nunca erra
Os nossos chefes são os melhores
Por isso os elegemos sempre e sempre
Foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
What Did You Learn in School Today
(Tom Paxton cantado por Pete Seeger)
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that Washington never told a lie
I learned that soldiers seldom die
I learned that everybody's free
That's what the teacher said to me
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that policemen are my friends
I learned that justice never ends
I learned that murderers die for their crimes
Even if we make a mistake sometimes
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learneds that war is not so bad
I learned about the great ones we have had
We fought in Germany and in France
And some day I might get my chance
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear littlr boy of mine?
I learned that our government
must be strong
It's always right and never wrong
Our leaders are the finest men
So we elect them again and again
And that's what I learned in school today
That's I learned in school
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Dia Mundial da Alimentação
Nota: quis deixar-vos aqui a nova roda dos alimentos para vos ajudar a escolher os alimentos, mas por causa de um qualquer erro que não me foi possível resolver ficam só os poemas.Como costumo dizer, fiquem bem e façam o favor de se portar mal.
POESIA À (OU NA) MESA
*******
Dá a surpresa de ser.
È alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ò fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa (Antologia Poética, da Editora Ulisseia)
DE TARDE
Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter histórias nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via:
e houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde (De O Livro de Cesário Verde, citado de cor)
Diospiros
Há frutos que é preciso
acariciar
com os dedos com
a língua
e só depois
muito depois
se deixam morder
+++
Nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu
de tua boca.
(Dois poemas de Jorge de Sousa Braga, do livro Balas de Pólen,
in Poesia à Mesa – Antologia, da quasi Edições)
+++++
Soneto C/IVA
Pedi dois cafés sorrindo
que não era normal
trouxeram-me um duplo.
o néctar de pêra veio de pêssego.
a mágoa das pedras pode ser Vidago?
o bife saignant saiu trop cuit.
não tinha mais trocado
não me disseram bom dia.
não deixei gorjeta
puseram-me na rua.
fui para casa ler a Dobrada
à Moda do Porto do Pessoa
nem sem antes pedir o livro
de reclamações que não havia.
Joaquim Castro Caldas, do livro Convém Avisar os Ingleses
in Poesia à Mesa – Antologia, da quasi Edições
+++++++
FRUTOS
Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música dos meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.
Eugénio de Andrade, de Poesia, in
Poesia à Mesa- Antologia da quasi Edições
porco trágico I
conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.
a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muito
de si
e pouco ou nada dos outros.
o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também.
Alberto Pimenta, de Obra Quase Incompleta,
in Poesia à Mesa- Antologia, da quasi Edições
*********
Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra;
um dia encontraram-se num caminho muito estreito,
e devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra
não ficou nada.
Esta história tradicional demonstra que se deva amar o próximo,
ou então ter muito cuidado com o que se come.
Ana Hatherly, do livro Tisanas, citado de cor
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Nem só de pão vive o homem
Maria Mamede
Cartas
Quando te escrevo, meu amor
E nunca te escrevo,
Vai a minha alma inteira
Nessas linhas
E escrevo palavras comezinhas
Sem encanto, sem esplendor
Sem poesia,
Palavras
Sem prata de luar
Sem luz do dia
Palavras,
Onde a noite principia
Nas sombras qu dou
A qualquer carta;
Quandop te escrevo, meu amor
Nada te digo
De saudade de ti, de nós
Do mundo
Nem falo
Do luto profundo
Que habita cá dentro
Em minha voz
Nas palavras que calo
Que não canto;
Ayh meu amor
Como dói tanto
Calar
Nas cartas que não escrevo
As notícias que tenho p'ra te dar!
Mas sei
Que as cartas que não escrevo
O vento tas irá levar!..
Amanhã
Quando em mim se enrosca esta agonia
De dor lancinante e sem sossego
É a ti que me agarro e apego
Para ouvir: "Amanhã é outro dia!..."
Quando a noite chega e é fantasia
Num sonho que não quero e que renego
Tu dizes: "Amanhã, é outro dia!"
E a ti me agarro e apego.
Não tires a mão da minha mão
Não deixes de ser a condução
Que necessito p´ra seguir confiante...
Não te apartes de mim; ando sem norte
Nesta vida sê meu braço forte!
Vai negra a noite p´lo futuro adiante!...
Estes dois poemas constam da Antologia DEZSETE da
Edium Editores
C
Sempre que imaginava
Cobria-te de estrelas
E vai-te
Cavalgando um cavalo de vento
Que de crinas soltas, negras como a noite,
Desaparecia no espaço
Voando até outras galáxias...
Agora, que te conheço,
Cubro-te de Sol,
E coroo-te de miosótis!
(Azul e oiro sempre formaram uma combinação perfeita).
Claro que o nosso romance há-de acabar;
Nessa altura, voltarei a cobrir-te de estrelas,
Mas levarei comigo os miosótis!...
Do livro Pelas letras do alfabeto
Nelson Ferraz
Do livro As palavras côncavas-Editora Ausência
Eu tinha uma montanha
azul como as calças de um palhaço
cheia de flores
azuis como olaço de um palhaço
um dia convidei o palhaço
para visitar a minha montanha
e o palhaço vestiu-se todo de azul
e foi
foi um dia lindo
azul como o casaco daquele palhaço
mas o tempo foi passando
azul como tude de um palhaço
e a montanha desapareceu
azul como a saudade de um palhaço
eu tinha uma montanha
azul como a história de um palhaço
cheia de sonhos
azuis como as lembranças
um dia vieram outras cores
para pintar a montanha
e o palhaço escondeu-se no azul
e foi
foi à procura de uma página
azul onde coubesse a vida toda
De Novíssimos, Antologia-Editora Ausência
Aqui ficam alguns poemas da Maria Mamede e do Nelson Ferraz. É só uma pequena amostra daquilo que eles são capazes de fazer. Usem-nos (aos poemas), mas não os abusem (os poemas)
domingo, 12 de outubro de 2008
Última hora!
Viva a gataria da cidade! Um dia destes ainda vou aparecer no Tinoco.
Aqui há gato(s)...
O que alguns escreveram acerca de gatos:
«Gatos falam com os rabos»
Cleveland Amory
«Os gatos podem ser engraçados, mas têm os modos mais estranhos de mostrar a sua alegria. O nosso sempre urinou nos nossos sapatos»
W. H. Auden
«É fácil entender porque é que os gatos despertam antipatia nas pessoas. Um gato mostra-se sempre bonito, sugestionando ideias de luxo, limpeza e prazeres voluptuosos»
Charles Baudelaire
«O gato é acima de tudo um dramaturgo»
Margaret Bensen
«Tenho sempre um calafrio quando vejo um gato que vê o que eu não posso ver»
Eleanor Farjeon
«Eu dei uma ordem ao gato e o gato deu-a ao seu rabo»
Provérbio chinês
«Se um homem pudesse ser cruzado com um gato melhoraria o homem mas deteoriaria o gato»
Mark Twain
«Gato amarelo ou gato preto, se apanhar ratos, é um bom gato»
Deng Xiaoping
«Um gato de luvas não captura nenhum rato»
Benjamin Franklin
(*) O Mago, o Lambão, a Faísca, o Zimbro, o clube Tinoco e a D. Maria da Glória Sância, são personagens do conto Mago, que faz parte do excelente livro os Bichos de Miguel Torga.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Ó senhor prior!!
domingo, 5 de outubro de 2008
Hoje apetece-me...
Poema do gato
Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento rem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo a acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as máxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna,
rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
António Gedeão
História de gatos
Eu tinha um gato malhado
Que era muito malcriado
Se lhe dizia «bom dia»
Ele nem me respondia.
Se o mandava caçar,
Deitava-se a ressonar.
Se o mandava à escola
Ele ia jogar à bola.
Se o mandava pescar,
Até fugia do mar.
Aquele gato malhado
Não me fazia um recado,
Era só vê-lo miar
E dormir ou ressonar.
Deitei-o pela janela.
Entrou-me um gato por ela
Mais uma gata amarela
E os doze filhos dela.
Sentaram-se à minha mesa,
Comeram-me a sobremesa,
Dormiram no meu colchão,
Rasgaram o meu roupão
E dentro dos meus sapatos
Fizeram xixi os gatos.
Para ficar sossegado
Fui viver para o telhado.
LUISA Ducla Soares
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
ATÉ SEMPRE
Acabo de saber do passamento, há poucas horas, do meu amigo FERNANDO PEIXOTO. Sabia que o seu estado de saúde era preocupante, porque há dias, estando ele hospitalizado, contactei-o, tendo-me ele dado conta de exames que estava a realizar, uma vez que os médicos não sabiam exactamente o que lhe minava a saúde. Sabê-lo-iam, ele não. Mas, pelo menos para mim, não era expectável que nos deixasse tão cedo. O Fernando Peixoto era um homem da cultura, com quem se gostava de estar e de conversar. Além de dedicar parte do seu tempo à investigação, era professor de Teatro na ESAP e na Escola Superior de Educação, onde procurava incutir nos seus alunos o amor e a conduta responsável na actividade que escolheram. Por vezes controverso, era um convicto lutador pelas ideias que defendia, mesmo no blog Todo o Mundo é um palco, de que era responsável. O Fernando era também um excelente poeta. Muitas vezes me servi da sua poesia nos meus espectáculos. Sei que a cidade fica mais pobre ao vê-lo partir. Sei que os seus amigos lamentam ficar privados do seu convívio, mas sei também que a sua lembrança perdurará, e que nas nossas conversas de amigos o Fernando estará muitas vezes presente. Antes da despedida, em geito de homenagem, fica um bonito poema de amor, que ele sabia traduzir tão bem.
NÃO, MEU AMOR
"Não, meu amor...Nem todo o corpo é carne" -David Mourão-Ferreira
Não, meu amor, também és fogo
na forma como incendeias os sentidos.
Não, meu amor, também és raiva
onde espojo meu corpo em suor.
Não, meu amor, também és água
a dessedentar minha língua
seca de silêncio e de vómito.
Não, meu amor. Não és apenas carne,
nem apenas caule, nem apenas fruto,
mas sobretudo a seiva
de que se alimenta a minha ânsia de fuga.
Não, meu amor, também és mulher,
a parte que não existe em mim, homem!
"Não meu amor...Nem todo o corpo é carne".
Às vezes é uma viagem
ao interior uterino da criação
ao Imo da Vida
Fernando Peixoto
Com a minha saudade, ATÉ SEMPRE, FERNANDO
NOTA: Os versos do poema não são tão espaçados. Como ainda sou um "nabo" recente nestas andanças de blogs, há problemas que não sei (ainda) resolver. Lá virá o tempo.