Hoje fui tomado pelo desejo compulsivo de escrever uma carta. Não me lembro já há quantos anos não escrevo uma carta. Mas uma carta em papel, usando uma caneta, daquelas chamadas de tinta permanente. Se pudesse recuar mais algum tempo preferia que a caneta fosse daquelas com aparo, de molhar no tinteiro, e que nos obrigava a aperfeiçoar a letra. Há tanta gente, tantos amigos, amigas, que já não vejo ou ouço há tanto tempo!... E aqueles que já partiram sem que tivesse a possibilidade de, ao menos, acenar-lhes um adeus. Lá, onde estarão, as cartas demoram a chegar.
Tu, meu amigo, a quem não vejo há muito, de quem tenho poucas notícias, ainda continuas a tocar (practicar, dizias tu) piano? Lembras-te dos fins de tarde, ou das noites em que tu te sentavas ao piano e eu lia, ou dizia, poemas? Tempos bonitos, não eram? É verdade, que é feito da tua filha que tinha ouvido absoluto? Possívelmente já te terá dado netos. E quando em algumas noites quentes nos sentávamos no teu terraço bebendo uma ou duas cervejas, e sem nos preocuparmos com as horas, falávamos de tudo, até dos comentários (invejosos, seria?) dos nossos colegas que, no emprego, nos chamavam "os intelectuais"? Belos tempos! Um dia destes temos de marcar um encontro para re-vivermos.
E tu, amiga, a quem vi crescer, num meio hotil, tanto o familiar como o que te rodeava, mas sempre com vontade de ir mais além? Embora não tenha notícias tuas (sempre foste avessa a isso) sei que hoje estás na "cidade grande" onde practicas a arte que sempre quiseste abraçar, o teatro. Por amigos comuns vou sabenmdo que a vida não está fácil, embora aí haja mais oportunidades que por aqui. Eu sei que é dificil vencer os lóbis, mas com a vontade que eu sei que tens de vencer, hás-de conseguir. Espero por notícias tuas.
Por último, para ti, amigo, que estás mais próximo, e com quem estive em tempos mais ou menos recentes, uma menção especial. Sei que passaste por um momento difícil que te fez ser hospitalizado, a fim de seres submetido a uma intervenção cirúrgica. Sei que correu bem e que em breve estarás em casa, talvez já amanhã. Espero que recuperes depressa, e já agora enquanto recuperas, que te vás lembrando dos tempos em que nos chamávas "os intelectuais". Pois, pois, foste tu o autor do epíteto, lembras-te?Tu eras perito nessas coisas. Até inventaste uma expressão nova, "o verso do reverso da medalha"! Vamos encontrar-nos brevemente, para aquele almoço.
Cheguei ao fim da carta. Foi realmente escrita em papel de carta e com caneta. Fica aqui a sua transcrição.
4 comentários:
Realmente, para mim, ESCREVER, tem que ser em papel branco e com uma caneta.
As palavras escorrem como as ideias.
No computador parece que estamos aos soluços. As ideias são tecladas. E pode-se voltar atrás, apagar, corrigir, escrever melhor.
Enfim, despersonalizar o que realmente estavamos a transmitir.
Uma carta, tem a nossa letra, os nossos erros, as nossas correcções, tem cheiro, tem cor, tem alma.
Ainda este fim de semana estive a escrever a uns amigos que vivem na Holanda, uma CARTA. Com uma caneta Bic e tudo. E que prazer me deu.
Tanto, que vou continuar a escrever um pouco mais.
.....
Por exemplo.
Agora, na mesma carta, a minha letra vai ser diferente. Estou mais cansado, a luz é pior, o estado de espirito, etc.
E isso faz toda a diferença.
A tal, alma.
Mas, o que realmente interessa, é que usemos todos os meios para dizermos coisas uns aos outros.
E agora, tenho uma CARTA para acabar.
Pedro.
Curioso... hoje recebi uma carta e foi tão bom...Tive saudades do tempo em que namorava por carta... eram duas por semana. No papel sempre gostei de escrever, mas nesta coisa...
É tão bom no fim abraçar, cheirar,sentir as letras, e depois vão connosco para todo o lado...
Por outro lado"esta coisa" permite-me estar bem mais perto de vós; e é tão bom isso.
Adoro-vos.
È claro que eu também gosto muito, muito de vocês. Vou nomear-vos CARANTONHAS HONORÁRIOS
Gostei da tua Carta Amilcar; também eu, como é do meu feitio, muita vez me dá para a nostalgia...(coisas da idade, creio). É verdade que as minhas cartas são diferentes, mas cada um tem a sua forma de as escrever.
Tenho a certeza de que já te dei, pelo menos uma, mas qualquer dia, quem sabe?!...
Maria Mamede
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