sábado, 17 de dezembro de 2011

Um outro Natal

O texto aí em baixo é da autoria do meu saudoso amigo, companheiro de tantas jornadas, Joaquim Castro Caldas. Com a sua irreverência, rebeldia e iconoclastia, dá-nos uma outra visão do Natal, sem nunca nos falar no Natal.
E conhecendo-o como o conheci, não me espantaria que andasse all night long, de mão dada com Jesus, a tentar convencê-lo a tornar-se humano outra vez - "damo-nos tão bem um com o outro/na companhia de tudo/que nunca pensamos um no outro."*  "Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas/No degrau da porta de casa,/Graves como convém a um deus e a um poeta,.../* Até porque "Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro./Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava./Ele é o humano que é natural,/Ele é o divino que sorri e que brinca./E por isso é que eu sei com toda a certeza/Que ele é o Menino Jesus verdadeiro."*

*As partes do texto em itálico são versos do VIII poema do Guardador de rebanhos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

PINÓQUIO AOS SEUS INIMIGOS

Sim, sou um boneco, mas vivo e de boa madeira, viva, arrancada às árvores ainda cheias de seiva, muito senhor do meu nariz que cresce e tudo. ao contrário do que a vossa imaginação prodigiosa acha que pareço, não sou pau santo mandado, mas teca mágica. tenho com o menino Jesus um único ponto em comum: pai carpinteiro. mas Gepetto é mesmo meu pai e se convém, até a minha mãe. S. José não passa do aio adoptivo do seu herói ingrato: o menino Jesus crescido nunca mais foi visitá-lo depois de seguir o seu destino. sim, se bem que mártir voluntário, o menino Jesus teve um destino, eu tenho um caminho. nunca abandono as minhas origens, conforto-as sempre que posso ou que o meu sonho acordado pára para respirá-las. por causa da minha liberdade haverá sempre um carpinteiro com posto de trabalho, prenhe do meu desejo antecipado. e que sem lágrimas nos olhos me respeita a aventura e o desapego, pelo que me dirijo ao Povo de Deus e não ao rebanho do Senhor. pelo que sou imortal, o menino Jesus é apenas eterno: disse muitas verdades na terra mas ninguém o levou a sério; só quando os homens lhe alteraram as verdades é que foi manipuladamente reconhecido. Antes disso foi crucificado numa cruz feita da mesma madeira de que sou feito. como a arca de noé, a vara de moisés, o cavalo de tróia, ou a lança de don quixote. sou um pastor de histórias que as perde à medida que as vai contando, quem quiser que acredite. quando minto não escondo, o nariz cresce-me e toda a gente vê que minto, as minhas mentiras inofensivas são sementes de fantasia e desassossego. não sei quem é mais de carne ou menos de osso. porque o menino jesus é um boneco na vossa mão e muitos de vós meus bonecos são. porque eu só sou um poeta e a imagem e a memória do menino Jesus fazem a vossa política e servem a vossa razão. Onde estão a verdade e a mentira? nos homens. a única grande diferença é que eu estou cá para me defender e o menino Jesus não.

                                                                                              JCC (que é o mesmo que dizer, Joaquim Castro Caldas).
Este é  o meu presente de Natal para ele, pois não sei se se lembrará ainda deste texto.

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