Depois de ter escrito o post aí em baixo, resolvi, como faço de vez em quando, revisitar a poesia de Eugénio de Andrade, um dos poetas de que mais gosto, embora não me entusiasmem particularmente os seus últimos livros. De qualquer modo, é sempre bom refrescar a memória com boa poesia. Para escrever este post tive que ter a aquiescência do Nico (o meu gato) que teimava em ter a sua lição habitual de escrita. Anda a aprender a teclar.liyg78u64767 cv6988n0’ 8ui nbfffhnbhdfngdçlhjiuyc675z5432w. Como podem ver, não minto. Autorização concedida, e para agradecer a boa vontade do Nico, achei por bem deixar-vos aqui um poema do Eugénio, no qual nos fala de alguns dos seus gatos.
ACERCA DE GATOS
Em Abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no punhal, não lhe tive,
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.
O persa azul de que se fala neste poema chamou-se Micky e foi-lhe oferecido num dia de anos, por quem sabia da sua afeição por gatos. Dele disse Eugénio: «o meu amor por esta alminha era materno». E continuou:«Que um homem assumisse poeticamente a maternidade não poderia causar estranheza mas que tratasse por “alminha” o seu gato era coisa de que só o diabo se lembraria». Um dia Micky adoeceu com cálculos renais, doença comum nos gatos persas, e não foi possível salvá-lo.
Diz-nos a terminar, o poeta: “E lembro-me bem da nossa despedida, o oiro dos olhos embaciado. Eu sempre soubera que a beleza era o que havia de mais frágil sobre a terra”.
Poema in O Sal da Língua. Prosa sobre o persa in Rente ao Chão
Carantonha- s.f.-contorsão do rosto, esgar, máscara, cara feia, carranca, caraça. * Em criança, na região de onde sou natural, e onde então vivia, quando se brincava ao carnaval, o artefacto que nos ocultava o rosto, era a carantonha porque por norma era coisa feia. O tempo passa, a evolução acontece, e hoje, pelo menos quando jogamos ao carnaval, usamos uma máscara. Ou será que não a usamos todos os dias?
domingo, 14 de dezembro de 2008
Este é o Nico
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