Como estamos na época dos santos populares, com festas, romarias, noitadas por todo o país, e amanhã é a véspera de S. João, a grande festa estival aqui na cidade do Porto, lembrei-me que na arca do velho há qualquer coisa referente ao tema das romarias, e fui repescá-la. Foi publicada a primeira vez no jornal de um clube desportivo em Julho de 1977. Aqui fica a
FESTA NA ALDEIA
No passado domingo estive na minha aldeia. Lá havia festa. Lá, esteve a banda. Que tocava as mesmas marchas que eu ouvia na meninice. Aí a memória recuou e eu fui outra vez menino. Menino de calção, atrás da banda, quando esta percorria as ruas da minha aldeia, tocando as suas estridentes marchas.
No passado domingo, estive na minha aldeia! Lá esteve também a banda, a abrilhantar a festa que havia. E era da minha aldeia. E como me comovi ao escutar todos aqueles metais que fabricam música e me fizeram lembrar a minha meninice, de horizontes quase limitados à minha aldeia. Em que um dos raros momentos de libertação e de sonho era a festa. E a banda. No passado domingo houve a banda. Na minha aldeia. Porque era festa. E houve marchas tocadas pela banda. E ao ouvi-las, recuei um pouco e vi-me já adolescente, na festa da minha aldeia, de nariz especado, junto ao coreto, atraído pelo som irresitível daquilo que nesse tempo não se chamava orquestra e muito menos conjunto.Era só, e por influência, o Jazz-band.
No passado domingo estive na minha aldeia, onde havia festa. E ao ouvir a banda, recuei no tempo, o espaço suficiente para recordar o momento, em que já na cidade, tomei conhecimento da poesia de Manuel da Fonseca e com o seu "Mataram a tuna", poema que mesmo que localizado no tempo, nos dá o colorido pobre da maior parte das nossas aldeias. Como nelas se vivia. Se vive. Que nos dá um tempo ainda não muito distante, que é preciso fazer esquecer. Poema que no seu final é um chamamento aos indecisos e à esperança. No passado domingo
estive na minha aldeia. E lá, na festa, ao ouvir a banda, recordei o "Mataram a tuna"
MATARAM A TUNA
Nos domingos antigos de bibe e pião
Saía a tuna do Zé Jacinto
Tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim
Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.
Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor...l
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar...)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!
Entanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
- que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.
Mas Zé Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!
Meus companheiros antigos de bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!
Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do é Jacinto
tocando a marcha Almadanim!
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