quinta-feira, 4 de junho de 2009

Nico, e outros gatos

O Nico, o meu gato, (se não sabem quem é, deviam saber) está aqui ao pé de mim, deitado no espaço que sobra da secretária, atento ao que escrevo. Aliás, é frequente a sua estadia aqui. E como não anda com muita vontade de continuar a aprender a escrever, -diz-me que é só quando quer-, vai atirando folhas de papel e outras coisa para o chão. Eu vou-o desculpando, porque apesar das mordidelas, ele diz que "gosta de mim". E sim, dá-me frequentes provas do seu afecto o sacaninha. E eu perdoo, pois agora que estamos de partida para um período de férias na praia, ele já me prometeu que no regresso, depois de ter conhecido mais uma gatas, vai retomar a aprendizagem. E eu, vá de prometer-lhe um poema de gatos. Aqui vai:

ELEGIAZINHA

Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de facto:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma
refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ónus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.

Nelson Ascher

Nelson Ascher, (São Paulo, 1958) é poeta, jornalista e tradutor. Como poeta publicou Ponta da Língua, Sonho da Razão, Algo de Sol e Parte Alguma.

E agora não resisto a deixar ao Nico mais um poema sobre gatos. Mais uma vez de Eugénio de Andrade. Oxalá lhe agrade também, este.

ACERCA DE GATOS

Em Abril Chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, a partilhe
a leitura do Público ao domingo.

1 comentário:

Nelson Ferraz disse...

Boas Férias lá para os lados da Nova Costa.
Vai dando notícias e traz-te, de vez em quando, para um almoço da praxe.

Um abraço, amigo.