"A poesia é a linguagem na qual o homem explora a sua própria admiração"
Christopher Fry
Dia soalheiro, algo quente, como deverá ser o dia inicial da Primavera. Dia também, por todo o mundo, da Poesia. A Poesia é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos. Sucintamente, poesia é a arte de exprimir sentimentos pela palavra rimada. Actualmente não será tanto assim, uma vez que a maior parte dos autores utiliza já, o verso livre. A matéria-prima da poesia é a palavra, e assim como o pintor é livre de aplicar na tela as cores que entende, e o escultor extrai do barro ou da pedra a forma que a imaginação lhe sugere, assim o poeta tem toda a liberdade para manipular a palavra, ainda que isso signifique romper com as normas pelas quais a gramática se rege.
Para celebrar este dia da Poesia comecemos com um soneto do príncipe dos poetas portugueses, Luis de Camões:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas da lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Apreciemos de seguida a poesia de Alexandre O'Neill:
Há palavras que nos beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
E por último, Eugénio de Andrade:
ADEUS
Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flores e dos teus dedos;
com se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
1 comentário:
Quando me lembro que quando estudava me ensinavam a preocupar-me mais com a forma do que o conteúdo... dá-me uma raiva!
Perdi, Camões e todos os outros.
E, principalmente o gosto.
Por isso, apenas gosto de ouvir poesia. Leio-a mas não me toca.
Só ouvindo.
Tenha eu TEMPO...
Pedro.
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