sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Há gajas ou não há gajas?


Este ano de 2011 está quase quase a acabar. Se estendermos o nosso braço, a mão já quase consegue agarrar o 2012. Posto isto, pareceu-me bem, trazer até aqui uma pequena história com um ligeiro toque de brejeirice. Preparem-se, carantonhas, para ler a história da reunião magna na selva para anunciar o programa das festas comemorativas do aniversário do Rei Leão. E para vos saber melhor podem ouvir, do Carnaval dos Animais, do compositor francês Camille Saint-Sans a introdução e marcha do rei Leão. Não será a interpretação com mais pompa, mas é de certeza uma das mais curiosas.
Vamos então à história.

LEÃO (dirigindo-se à assembleia) Bem, meus amigos, as festas vão durar três dias, e no primeiro dia vamos ter exercícios de trapézio por uma parelha de macacos vindos expressamente de...

SAPO (interrompendo, do fundo da sala) Então...e gajas? Há gajas ou não há gajas?...

LEÃO (ainda mal refeito da ousadia do batráquio) Bem... E como eu ia a dizer, vamos ter um segundo dia bastante animado com cobras, tigres, elefantes e...

SAPO (interrompendo, de novo, com determinação) Mas o que é que essa merda interessa? Gajas é que conta. Há gajas ou não há gajas?

LEÃO (já completamente lixado, com f) Bem... o terceiro dia será uma grande apoteose, com banquete, orquestra e fogo de artifício.

SAPO (ainda mais inquisidor) Então... mas só isso? Não ouvi falar em gajas! Há gajas ou não há gajas?

LEÃO (prestes a saltar) Bom...obrigado por terem vindo. Está encerrada a sessão. Podem sair todos, com excepção daquela coisa verde e rastejante que está lá atrás, e vai ficar feita em merda!

SAPO (desafiando completamente a autoridade da monarca) Daasss pá!!! Deixa lá a merda do crocodilo! Há gajas ou não há gajas?
  
Depois da história que, espero, vos tenha feito pelo menos sorrir, aconselho a que ouçam o Carnaval dos Animais, completo. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A morte do Pai Natal

Já aqui deixei escrito num dos anos passados, que o meu Natal é o do Menino Jesus. O Pai Natal- personificado por São Nicolau, bispo de Esmirna, na Ásia Menor -, é um costume que nos chegou através dos povos do norte da Europa. E para nossa desgraça, (pelo menos minha), a coca-cola apossou-se dele e vestiu-o de vermelho. Por tudo isso, e também pelo gutural e idiota wow, wow, wow, vou matar o Pai Natal, que alguém, sem o meu assentimento, já matou no Facebook.

A MORTE DO PAI NATAL

Era um pai Natal barrigudo, com longas barbas brancas e um fato vermelho com capuz. Vivia no Pólo Norte e tinha um trenó puxado por seis renas.
Uma noite de Natal, andando ele a distribuir brinquedos, pousou o seu trenó no telhado coberto de neve de uma casa de lousa. Como a chaminé era estreita e o pai Natal não cabia, resolveu descer e bater à porta.
- Quem é? – perguntaram de dentro vozes de criança.
- É o Pai Natal.
- Não pode ser.
- Sou, sou.
- O Pai Natal não existe.
- Existe sim! Sou eu!
- …e nós somos órfãos.
- Coitadinhos!
- E se és o Pai Natal, porque vens bater à porta em vez de entrares pela chaminé?
- Porque a chaminé é estreita e a minha barriga muito grande.
- Balelas! Tu é que não és o Pai Natal!
- Sou eu, sim! Abram-me a porta! Deixem-me entrar!
- Se és o Pai Natal e queres entrar, entra pela chaminé.
O Pai Natal não teve outro remédio. Se queria que acreditassem nele, tinha de entrar pela chaminé. Subiu de novo ao telhado. Despiu a roupa toda e untou o corpo com manteiga, para escorregar melhor. Saltou.
Splash! Em cheio na panela que estava ao lume!
Nunca os meninos tiveram um Natal tão feliz!
Rui Souza Coelho, Fernando Pessoa contra o Homem Aranha,

Irmãos CARANTONHAS, para todos, votos de um BOM NATAL (o melhor que vos for possível).



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A ceia




Um conto de Natal, escrito (como só ele sabe) pelo meu amigo e colega, Nelson Ferraz

A CEIA

«O miúdo
(de gatas)
foi junto da árvore e espreitou
parede acima

depois sentou-se
ajeitou a chupeta num quarto de volta
para a direita
endireitou duas encorrilhas da fralda
treinou a cara de mau número cinco
e gatinhou mais dois centímetros
para a esquerda
depois parou em frente ao presépio chinês
e olhando o burro nos olhos perguntou:
- gu da gu gu da gu?
cinco segundos depois tornou a perguntar:
- gu da gu gu da gu?
dez segundos depois outra vez:
- gu da gu gu da gu?

nesse Natal o burro faltou à ceia»

Perguntas a serem respondidas por quem quiser: - o que é que aconteceu ao burro? Era de chocolate e o miúdo comeu-o? Era de barro e o miúdo partiu-o? Ou já cansado da pose estática de tantos anos, sempre com a mesma ração de palha, a bafejar o Menino, -  filho de pai carpinteiro "que não era pai dele" e de uma mãe que "não tinha amado antes de o ter./Não era mulher:era uma mala/Em que ele tinha vindo do céu"? - se tornou também outra vez menino e ficou a brincar com o miúdo?

gu da gu gu da da?

*O texto em itálico é de Alberto Caeiro

                                                              

sábado, 17 de dezembro de 2011

Um outro Natal

O texto aí em baixo é da autoria do meu saudoso amigo, companheiro de tantas jornadas, Joaquim Castro Caldas. Com a sua irreverência, rebeldia e iconoclastia, dá-nos uma outra visão do Natal, sem nunca nos falar no Natal.
E conhecendo-o como o conheci, não me espantaria que andasse all night long, de mão dada com Jesus, a tentar convencê-lo a tornar-se humano outra vez - "damo-nos tão bem um com o outro/na companhia de tudo/que nunca pensamos um no outro."*  "Ao anoitecer brincamos às cinco pedrinhas/No degrau da porta de casa,/Graves como convém a um deus e a um poeta,.../* Até porque "Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro./Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava./Ele é o humano que é natural,/Ele é o divino que sorri e que brinca./E por isso é que eu sei com toda a certeza/Que ele é o Menino Jesus verdadeiro."*

*As partes do texto em itálico são versos do VIII poema do Guardador de rebanhos de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

PINÓQUIO AOS SEUS INIMIGOS

Sim, sou um boneco, mas vivo e de boa madeira, viva, arrancada às árvores ainda cheias de seiva, muito senhor do meu nariz que cresce e tudo. ao contrário do que a vossa imaginação prodigiosa acha que pareço, não sou pau santo mandado, mas teca mágica. tenho com o menino Jesus um único ponto em comum: pai carpinteiro. mas Gepetto é mesmo meu pai e se convém, até a minha mãe. S. José não passa do aio adoptivo do seu herói ingrato: o menino Jesus crescido nunca mais foi visitá-lo depois de seguir o seu destino. sim, se bem que mártir voluntário, o menino Jesus teve um destino, eu tenho um caminho. nunca abandono as minhas origens, conforto-as sempre que posso ou que o meu sonho acordado pára para respirá-las. por causa da minha liberdade haverá sempre um carpinteiro com posto de trabalho, prenhe do meu desejo antecipado. e que sem lágrimas nos olhos me respeita a aventura e o desapego, pelo que me dirijo ao Povo de Deus e não ao rebanho do Senhor. pelo que sou imortal, o menino Jesus é apenas eterno: disse muitas verdades na terra mas ninguém o levou a sério; só quando os homens lhe alteraram as verdades é que foi manipuladamente reconhecido. Antes disso foi crucificado numa cruz feita da mesma madeira de que sou feito. como a arca de noé, a vara de moisés, o cavalo de tróia, ou a lança de don quixote. sou um pastor de histórias que as perde à medida que as vai contando, quem quiser que acredite. quando minto não escondo, o nariz cresce-me e toda a gente vê que minto, as minhas mentiras inofensivas são sementes de fantasia e desassossego. não sei quem é mais de carne ou menos de osso. porque o menino jesus é um boneco na vossa mão e muitos de vós meus bonecos são. porque eu só sou um poeta e a imagem e a memória do menino Jesus fazem a vossa política e servem a vossa razão. Onde estão a verdade e a mentira? nos homens. a única grande diferença é que eu estou cá para me defender e o menino Jesus não.

                                                                                              JCC (que é o mesmo que dizer, Joaquim Castro Caldas).
Este é  o meu presente de Natal para ele, pois não sei se se lembrará ainda deste texto.

Que Natal?


AMANHÃ É NATAL

A neve ouviu aos ventos: «É Natal»
E revestiu planícies e montanhas
De brancura ideal.

As árvores sentiram: «É Natal»
E balançaram ramos resplendentes
Num bailado irreal.

As aves escutaram: «É Natal»
E envolveram os campos e as almas
Num canto sem igual.

Os astros escreveram: «É Natal»
E inundaram a terra sua irmã
Duma luz celestial.

Os anjos repetiram: «É Natal»
E trombetas e vozes se expandiram
Num coro divinal.

Os homens exultaram: «É Natal»
E comeram, comeram, comeram
Até fazer mal.

Francisco Ventura

Este é o Natal da volúpia, da gula e do consumismo. Amen (isto é, assim seja). Cumpra-se, mesmo em crise, a vontade dos deuses.

Francisco Ventura, escritor. Mais conhecido como autor teatral do que pela sua poesia. O seu teatro, muito próximo do auto de tradição vicentina, é de inspiração rústica, pedagógico e moralizante.

Caros carantonhas, bom fim de semana (para aqueles que podem gozá-lo). E leiam, leiam, sem que vos faça mal. Amen.


                                                        

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Aula de catecismo

AULA DE CATECISMO

No primeiro dia o homem criou Deus
À medida das suas expectativas

No segundo
Para festejar a nova criatura
Semeou as borboletas e os astros

No terceiro dia
Deus começou a crescer
Para além do previsto,
E no quarto nasceu o diálogo.

Ao quinto dia soltou-se a violência
E no sexto a guerra e as catástrofes
Presidiram aos actos seculares.

No sétimo dia descansou
E os crentes começaram a vender
As acções do Vaticano

Mário Ferreiro poeta uruguaio, é o autor do poema.A tradução  é minha. Pareceu-me oportuno publicá-lo nesta altura do ano. Deixo os comentários e as extrapolações aos caros carantonhas que de vez em quando me visitam aqui.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Já se puseram a caminho. Hão de chegar lá mais para o principio do próximo ano. Ensinaram-nos que eram os Reis Magos. Mentira. Seriam mercadores ou sábios astrólogos. Vinham do leste, ou do oriente, como diz a tradição. E é por me lembrar o oriente (podia ser por qualquer outra razão) que coloquei aqui esta fotografia. Mas não, não retrata qualquer sítio do oriente. É simplesmente um pôr do sol, em dezembro, na praia da Costa Nova.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gato brincalhão


Porque me lembrei de uma certa gata (des)construtora que mora numa urbanização em Aveiro.

Entre les deux...


"Entre les deux mon coeur balance" que é como quem diz, podem vir os dois - tango ou flamenco - que eu gosto. E como daqui a pouco, mais ou menos a meio da manhã, vou ter que me submeter a um exame ao coração, vou bem acompanhado, até porque também gosto do Paco de Lucia. Até mais logo.

sábado, 3 de dezembro de 2011

No país dos sacanas

Vá lá, em que país estavam a pensar ao ler o título? Pois, é esse mesmo. É, é esse mesmo país no qual os que nos governam, fingem não saber quanto são sacanas. Para vosso gozo aqui fica o poema de Jorge de Sena.

NO PAÍS DOS SACANAS

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência,
a justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como  ser-se então neste país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro , e o gajo morreu na mesma.

Carantonhas, desfrutem bem do vosso domingo, se possível com leituras e ,se não for pedir muito, lendo poesia.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Café com leite fatídico

Quando há dias seleccionava uns papéis, veio-me à mão um texto surrealista de Max Aub, que me fez recordar o que um dia, num café, se passou comigo. Normalmente tomo, seja café, chá ou leite, sem açucar, mas por hábito mexo a bebida, pois fico com a sensação de que com esse gesto a arrefeço.
Entrei, pedi um café e quando fui servido lá me entretive a mexer. Ao meu lado estava um cliente que reparou no gesto, e dirigindo-se-me, disse-me que me esquecera de pôr o açucar.Agradeci e lá tive que explicar o gesto. 
E são horas de vos deixar o texto de Max Aub.

"Começou a mexer o café com leite, com a colherzinha. O liquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite girava, girava, com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu encontrava-me sentado mesmo à frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer, imóvel, e sorria a olhar-me. Senti umas coisas a subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se sentiu na obrigação de me explicar:
- O açucar ainda não está derretido.
Para mo provar, bateu várias vezes com a colher no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim sorrindo.
Então, puxei da pistola e disparei".

MAX AUB nasceu em Paris em 1903, filho de pai alemão e de mãe francesa.Mudou-se para Valência em  1914, com o eclodir da primeira Grande Guerra, tendo então adoptado o espanhol com língua de criação. Viveu no México mais de 30 anos, onde faleceu em 1932. Novelista, dramaturgo, ensaísta e poeta