Quando há dias seleccionava uns papéis, veio-me à mão um texto surrealista de Max Aub, que me fez recordar o que um dia, num café, se passou comigo. Normalmente tomo, seja café, chá ou leite, sem açucar, mas por hábito mexo a bebida, pois fico com a sensação de que com esse gesto a arrefeço.
Entrei, pedi um café e quando fui servido lá me entretive a mexer. Ao meu lado estava um cliente que reparou no gesto, e dirigindo-se-me, disse-me que me esquecera de pôr o açucar.Agradeci e lá tive que explicar o gesto.
E são horas de vos deixar o texto de Max Aub.
"Começou a mexer o café com leite, com a colherzinha. O liquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite girava, girava, com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu encontrava-me sentado mesmo à frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer, imóvel, e sorria a olhar-me. Senti umas coisas a subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se sentiu na obrigação de me explicar:
- O açucar ainda não está derretido.
Para mo provar, bateu várias vezes com a colher no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim sorrindo.
Então, puxei da pistola e disparei".
MAX AUB nasceu em Paris em 1903, filho de pai alemão e de mãe francesa.Mudou-se para Valência em 1914, com o eclodir da primeira Grande Guerra, tendo então adoptado o espanhol com língua de criação. Viveu no México mais de 30 anos, onde faleceu em 1932. Novelista, dramaturgo, ensaísta e poeta
1 comentário:
O Mário Henrique Leiria Alemão...
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