sábado, 8 de novembro de 2008

A dúvida

A dúvida instalou-se na minha cabeça.
É o tempo. "O tempo passa por nós...". É esta a dúvida. É o tempo que passa por nós, ou somos nós que passamos pelo tempo? Mesmo duvidando, quer-me parecer que somos nós que passamos. Pois se o tempo está sempre cá! Nascemos, crescemos, partimos. Cá está, partimos. Partimos do tempo que fica, está cá sempre, ainda que cada um tenha o "seu tempo". Ter "o seu tempo", "no meu tempo", no "vosso tempo", é a pequena parcela que ocupamos e que é mensurável de modo diferente para cada um. Ah, também medimos o tempo! "Do fundo do tempo". Como disse António Gedeão, "venho do fundo do tempo, não tenho tempo a perder". O tempo também tem fundo! Mas não tem cimo, isto é, não tem fim. É infinito. Lógico.
"Estamos aqui a matar o tempo". Matar o tempo? Se o matarmos não ficamos sem ele? A dúvida persiste e continuo sem saber a resposta. Mas o tempo também não tem resposta para a minha dúvida. Duvidam? Então vejam! O tempo perguntou ao tempo/ quanto tempo o tempo tem/O tempo respondeu ao tempo/que o tempo tem o tempo que o tempo tem. Outra dúvida: será que o tempo tem passado, presente e futuro? Hoje deu-me para filosofar, que querem!
Como diria Álvaro de Campos " por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça!"

TEMPO DE POESIA

Todo o tempo é de poesia.

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.

Todo o tempo é de poesia.

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos
á confusão da harmonia.


FALA DO HOMEM NASCIDO
(Chega à boca de cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
S´quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão, Obra Completa,
Relógio D'Água Editores

1 comentário:

Anónimo disse...

Nota-se que o tempo passa, porque o sentimos no corpo. Por isso é tão triste envelhecer, fisicamente. Já, mentalmente ou intelectualmente, é bom envelhecer.
Também, alguma compensação tinhamos que ter por ver o nosso corpo a definhar. Valha-nos isso.
Por isso sempre digo:
-Dêm-me uns 90 anos, ( sim, noventa porque todos os anos peço o dobro de vida e para o ano faço 45), entrevadinho se tiver que ser, mas com a cabecinha a funcionar.
É bom encontrar neste blog um bom exemplo de disso, com duas vantagens, não tem ainda 90 anos, nem está entrevadinho. Graças a .... seja Ele lá quem fôr.
Um conselho.
Mantenha o fisico. Porque o resto está tudo lá, e cada vez melhor. Pelo menos, mais exposto, mais aberto, mais Amilcar.
Continuarei por aqui a assistir, na esperança de ter mais tempo para partilhar.
Biba a internet...
Pedro.