quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Eu gosto do meu País. É o país onde nasci e onde vivo. Não renego o seu passado, nem o meu, que no fundo é parte interessada do seu. Podíamos fazer deste país um país melhor? Pois podíamos, se todos quizessem. Mas enquanto as mentalidades tacanhas não mudarem...


PORTUGAL


Portugal
quero falar contigo
Não faças esses olhos de quem viu um lobisomem
Achas esquisito porventura que queira falar contigo
è que tenho coisas muito importantes para te dizer e só
agora arranjei a coragem suficiente
Portugal
eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como
se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis
ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava
os orgãos genitais e nunca mais voltasse
às vezes quase chego a acreditar que é tudo mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Àlvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
que os meus egrégios avós me perdoem
Ontem estive a jogar ao poker com o Velho do Restelo
ele anda na consulta externa do Júlio de Matos
deram-lhe una electrochoques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se
contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr
encontrar uma pétala que fosse
das rosas que o Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
eu se tivesse dinheiro comprava um império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota
como tu
mas que tem um coração doce ainda mais doce que os pasteis
de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para eu poder espremer
à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em 1957 Salazar estava no poder nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra tenho amigos que emigraram
nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal
ia propor-te um projecto iminentemente nacional
que fôssemos todos a Ceuta à procura do olho que o Camões lá deixou
Portugal sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os de minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca.


Jorge de Sousa Braga

O poema Portugal tem pelo menos duas versões, a original e uma outra publicada no Poeta Nu, da qual o poeta excluiu versos e acrescentou outros. A versão acima é da minha responsabilidade.Mantive os versos excluidos e acrescentei alguns dos outros.
Jorge de Sousa Braga nasceu em 1957 em Vila Verde e é médico no Porto. A sua poesia até 1991 está reunida em  Poeta Nu. Depois disso já publicou Fogo sobre Fogo (1998), Herbário (1999), livro para crianças, Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens, eA Ferida Aberta (2001)

3 comentários:

cc disse...

olá miko

eu mesmo disse...

ó miko sou eu!

Carantonha disse...

Eu, quem? nDe qualquer modo seja bem vindo(a)