Estamos a despedir-nos de 2009 que não deixou saudades. Esperemos que o 2010 que aí vem seja pelo menos um pouco melhor. Se todos formos capazes de interiorizar e seguir o conselho do poeta Armindo Rodrigues, então teremos um mundo e um ano melhores. Que assim se cumpra
Homem
Abre os olhos e verás
Em cada outro homem
Um irmão
As paixões que te consomem
não são boas nem más
são a tua condição
A paz porém
só a terás
Homem
quando o pão que os outros comem
for igual ao teu pão.
Assim seja.
Adeus 2009
Sê bem vindo 2010
Bom ano para todos os meus amigos carantonhas.
Carantonha- s.f.-contorsão do rosto, esgar, máscara, cara feia, carranca, caraça. * Em criança, na região de onde sou natural, e onde então vivia, quando se brincava ao carnaval, o artefacto que nos ocultava o rosto, era a carantonha porque por norma era coisa feia. O tempo passa, a evolução acontece, e hoje, pelo menos quando jogamos ao carnaval, usamos uma máscara. Ou será que não a usamos todos os dias?
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
POEMA PARA ACABAR O DIA (Com Sophia)
Para acabar o dia, aqui fica um poema de Sophia de Mello Breyner
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o molhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
USOS
Esta manhã, enquanto à mesa tomava o pequeno almoço, dei comigo a pensar na evolução das coisas, nas modas e até nas influências culturais que cada povo absorve. Por cá, sabe-se como fomos influenciados pela cultura francesa e um pouco pela inglêsa. Como essas culturas entraram primeiro pelos grandes centros urbanos e paulatina e progressivamente se foram instalando nas vilas e aldeias. E então pensei: "olha, estou a tomar o pequeno almoço (petit dejeuner) !". Pois, cá está! Em jovem, na minha aldeia, antes de ir para a escola e depois para o colégio, eu almoçava. Depois seguia-se o jantar. Por vezes, a meio da tarde, quando a brincadeira ou os deveres, não o faziam esquecer, vinha a merenda. Agora lancho (do inglês lunch). À noite, antes da deita, ceava-se. Agora pequeno-almoço, almoço, janto, e por vezes ceio. Nada mal, não senhor. Influências! Enquanto isto, baixo o olhar e vejo que tenho vestidas umas calças porqueiras. Admirados? Não estejam. Antes da moda copiar e massificar tais calças, estas eram normalmente, e só, usadas pelos guardadores de porcos alentejanos. Daí o "porqueiras". A moda pegou e passámos a usar calças de bombazina (nem pensar, nos meios burgueses urbanos, usar porqueiras). Depois o gosto refinou e agora as porqueiras, passaram a chamar-se calças de veludo. É no que dá os usos e as modas. Acabei o pequeno almoço e deixei de pensar nestas coisas, porque já sei que amanhã para o jantar de fim de ano vou vestir umas calças de ganga.
O Jardineiro Míope
Estava há pouco a acabar de jantar, e de repente, bruummmm, um estoiro enorme. Foi um trovão, mesmo aqui por cima.O Nico (o meu gato), que me fazia companhia, assustou-se, saltou do aparador para a mesa, da mesa para o aparador, do aparador para o chão, deixou uma restolhada e foi esconder-se. Diante de tal estoiro, eu cá, pensei "eh pá, o tempo está zangado.Ou será «Deus», que lá em cima não está a gostar do que se passa cá em baixo?".Para os ateus será o Tempo, para os cristãos será Deus. Mas o que é facto é que o mau tempo, em especial a chuva não nos deixa e em vez de benefício, está a tornar-se um prejuízo. Já me desviava do trovão. Depois de ouvir o estoiro, lembrei-me de um poema de Sidónio Muralha. Se aceitarmos que Deus, que segundo dizem tudo vê, é a entidade que comanda tudo, não teremos dificuldade em acreditar no que escreveu Sidónio Muralha no seu poema O Jardineiro Míope. Mas que terá a ver um jardineiro, com uma trovoada. Vamos ver.
O JARDINEIRO MÍOPE
O jardineiro míope levanta-se às cinco horas e vai dar alpista
às flores
E a seguir rega os pássaros
e enquanto vai regando vai dizendo:
“que bem que cantam as minhas papoulas”
Um dia, a Liga das Senhoras Mais Bondosas do Mundo,
teve um gesto malvado
e ofereceu óculos ao jardineiro míope
que ajustou implacavelmente as imagens
perdeu toda a poesia
e viu tudo de maneira tão clara
que teve a ideia escura de pedir emprego de funcionário público
enquanto a presidente da Liga
da Liga Mais Bondosa
mais bondosa do mundo
subia para o céu
e se sentava à mão direita de Deus Padre
que lhe enfiou uma bofetada divina
que todos nós ouvimos em forma de trovão.
Boas trovoadas, carantonhas
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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Poema para acabar o dia
O poema de Sebastião da Gama que aqui fica, pelo tema, pelos apelos que faz, tem tudo, para ser considerado um poema de Natal. Eu assim considero. Espero que os carantonhas que tenham a paciência de o lerem, também assim pensem.
A MEUS IRMÃOS
Batam-me à porta
os que andam lá por fora, à neve;
batam
os que tiverem frio ou sede;
os que sintam saudades de um carinho;
os desprezados;
os que há muito não vêem uma flor
e encontram só poeira no caminho;
os que não amam já nem já os ama
ninguém;
os esquecidos de como se sorri;
os que não têm Mãe…
Batam-me à porta os Desgraçados,
os que têm os dedos calejados
dos dedos ásperos da Miséria,
os que travam desordens nas tavernas
e brincam às facadas,
os que não têm abrigo nem Amigo,
os que o Destino escarrou,
os que não foram crianças,
os que nasceram num bordel
e por quem passam todos sem olhar.
Batei à minha porta, Irmãos,
entrai,
que eu tenho Amor pra vos dar…
E se eu também bater
(que eu também choro
muitas vezes, lá por fora;
também amargo tristezas;
que eu também sou Desgraçado)…
pois se eu bater,
vinde logo depressa abrir-me a porta;
aquecei-me no meu lume;
dai-me do pão que eu parti
e do Amor que vos dei…
Deixai-me estar entre vós
como se fosse um de vós,
que eu também sou Desgraçado…
Ah! Se eu bater
(mas é preciso que eu possa
ter força ainda nas mãos),
por Deus abri a porta, meus Irmãos,
como se a casa fora vossa!...
Sebastião da Gama, poeta português, natural de Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal. Concluiu o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947, e ainda nesse ano iniciou a sua actividade de professor, que exerceu em Lisboa, Setúbal e Estremoz.
Sebastião da Gama ficou para a história pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos, registado nas páginas do seu famoso Diário (iniciado em 1949). Literariamente, não esteve dependente de qualquer escola, afirmando-se pela sua temática (amor à natureza, ao ser humano) e pela candura muito pessoal que caracterizou os seus textos. Atingido pela tuberculose, que causaria a sua morte precoce, passou a residir no Portinho da Arrábida, com a panorâmica serra da Arrábida a alimentar o culto pela paisagem presente na sua obra.
A MEUS IRMÃOS
Batam-me à porta
os que andam lá por fora, à neve;
batam
os que tiverem frio ou sede;
os que sintam saudades de um carinho;
os desprezados;
os que há muito não vêem uma flor
e encontram só poeira no caminho;
os que não amam já nem já os ama
ninguém;
os esquecidos de como se sorri;
os que não têm Mãe…
Batam-me à porta os Desgraçados,
os que têm os dedos calejados
dos dedos ásperos da Miséria,
os que travam desordens nas tavernas
e brincam às facadas,
os que não têm abrigo nem Amigo,
os que o Destino escarrou,
os que não foram crianças,
os que nasceram num bordel
e por quem passam todos sem olhar.
Batei à minha porta, Irmãos,
entrai,
que eu tenho Amor pra vos dar…
E se eu também bater
(que eu também choro
muitas vezes, lá por fora;
também amargo tristezas;
que eu também sou Desgraçado)…
pois se eu bater,
vinde logo depressa abrir-me a porta;
aquecei-me no meu lume;
dai-me do pão que eu parti
e do Amor que vos dei…
Deixai-me estar entre vós
como se fosse um de vós,
que eu também sou Desgraçado…
Ah! Se eu bater
(mas é preciso que eu possa
ter força ainda nas mãos),
por Deus abri a porta, meus Irmãos,
como se a casa fora vossa!...
Sebastião da Gama, poeta português, natural de Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal. Concluiu o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947, e ainda nesse ano iniciou a sua actividade de professor, que exerceu em Lisboa, Setúbal e Estremoz.
Sebastião da Gama ficou para a história pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos, registado nas páginas do seu famoso Diário (iniciado em 1949). Literariamente, não esteve dependente de qualquer escola, afirmando-se pela sua temática (amor à natureza, ao ser humano) e pela candura muito pessoal que caracterizou os seus textos. Atingido pela tuberculose, que causaria a sua morte precoce, passou a residir no Portinho da Arrábida, com a panorâmica serra da Arrábida a alimentar o culto pela paisagem presente na sua obra.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Amarelo lucilante
Eu esperava que esta noite o céu adormecesse colorido de azul. Infelizmente, o sangue rubro das trauliteiras papoilas saltitantes, com a ajuda de um lucilante amarelo não o permitiram. Mas um dia destes o azul refulgirá e nem jesus obstará a que uma qualquer salomé nos traga a cabeça do batista numa bandeja dourada. Esperemos.
Provincianismo
Acabo de chegar de Paredes, onde estive na Casa da Cultura, a coordenar a sessão quinzenal do programa "Família", com a habitual peça de teatro. A sessão de hoje foi dedicada aos filhos dos funcionários da Câmara, entidade responsável pelo referido programa. De realçar que aqui são os filhos que levam a restante família ao teatro. Lá esteve a Direcção dos Serviços Sociais da Câmara, e também o seu vereador da Cultura e Vice-Presidente. O Presidente, nem vê-lo. Como não vi ainda o tão propalado mastro com 100 metros de altura, para a bandeira nacional, onde o município se propõe gastar (melhor dito, será "desperdiçar") um milhão de euros, presumo que o presidente estivesse ausente, a tratar de tão relevante propósito. Dá pena ver até onde pode ir o provincianismo pacóvio de alguns. E é pena porque na cultura e no entretimento (é, é assim mesmo) o concelho dá cartas a muitos outros com mais poderio económico e financeiro. Enfim, idéias!
sábado, 19 de dezembro de 2009
Poema para acabar o dia
Hoje, o poema para acabar o dia, que julgo ter alguma relação com as "Solidariedades" anteriores, é de um dos meus poetas de eleição - António Gedeão, ou como eu costumo dizer, Rómulo António de Carvalho Gedeão.
Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".
Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas (a tricúspide e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz nos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
Então meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?
António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967)
Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração.
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".
Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas (a tricúspide e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue ao circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.
Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz nos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.
Então meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?
António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967)
Solidariedade ll
Terminou a Conferência de Copenhaga, sobre as alterações climáticas e aquecimento global que afectam o nosso planeta. Infelizmente com resultados quase nenhuns.As grandes resoluções que deveriam ser tomadas para tornar esta bola azul mais habitável, foram, como veem sendo, adiadas para as calendas. Porque as grandes potências, as que mais responsabilidades têm na matéria, mais uma vez não foram capazes de se entenderem para tomar medidas capazes de parar a degradação, que vai tomando conta deste pequeno ponto do universo, onde vivemos Também aqui a solidariedade andou longe, limitando-se a uma promessa de compromisso de ajuda aos países em desenvolvimento. É caso para dizer, com alguma brandura, "raios os partam"!
Solidariedade?
Estamos na época do ano em que mais se apela à solidariedade. E se pratica também. Não tenho nada contra. Mas incluo-me no grupo daqueles que pensam que a solidariedade se devia praticar o ano inteiro. Porque a solidariedade não é de épocas, é de vontades. No entanto, vejo alguns apelos com não pouca intranquilidade e alguma estupefacção. Porque são feitos, conduzidos e patrocinados por grandes empresas, que ao fazê-lo apelam ao consumo, seja de bens perecíveis ou imateriais. E quem paga essa solidariedade? Claro, é sempre o mexilhão, aquele a quem os bem falantes, os bem-de-vida, os opinadores, os políticos, os grandes empresários, chamam de "povo". A bem do bem estar de todos, quem devia pagar essa solidariedade eram os grandes grupos económicos. Não preciso de dizer porquê. E por aqui me fico, desejando um bom domingo aos carantonhas amigos.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Poema para acabar o dia (com neve)
A neve chegou. Em força. De certo para ficar. E para falarmos dela. De certo para proporcinar bonitos postais. A neve, que para os poetas é também uma fonte de inspiração. E quando lá fora o termómetro marca 8º, para acabar o dia, aqui fica o conhecido poema de Augusto Gil, Balada da Neve.
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...,
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça
Pôs tudo da cor do linho.
Pasa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
- E cai no meu coração.
E para acabar, em jeito de desafio, deixo uma sugestão: tentem ler o poema (vá lá, só a primeira estrofe, para não se tornar muito dificil) só com vogais, sem consoantes. Brrr, tá frio!
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...,
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça
Pôs tudo da cor do linho.
Pasa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
- E cai no meu coração.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Poema para acabar o dia
O poeta Alexandre O'Neill, além de bom poeta, era também um bem intencionado "malandro". Vejam como ele joga com as palavras, neste breve poema. È tão breve que se chama mesmo Breve.
BREVE
Vamos?,disse ele
Não!, disse ela
Que há?, disse ele
Nada!, disse ela
Então..., disse ele
Adeus, disse ela
Solidariedade?
Eu também quero ser "figura pública" (ou será figura pública?), pronto. E "famoso" também (será que não o sou já?). E quero vir noticiado no jornal, quero ter a mesma oportunidade que os gabrieis, as sónias e as marizas deste país. Perguntarão, se o carantonha-mor, estará doido. Não, não está! Passo a explicar: li num jornal que as famosas personagens ofereceram roupa usada à iniciativa "Solidariedade à Medida", para ser distribuida por instituições de apoio social. Ora eu, que por acaso tenho cá em casa, para doar, uma quantidade razoável de roupa usada, e não só, pois como a barriga foi crescendo e a cintura alargando, também as há novas, sinto-me no direito de ser publicitado, para que saibam da minha intenção altruista. Mas para isso tenho que ser figura pública, não é verdade?
Então carantonhas, por que é que esperam? Comecem já a patrocinar uma "petition on line" (até esta porra tem que ser em inglês!) para o carantonha-mor se tornar famoso. Há muita gente necessitada à espera de roupa usada. Que raio de país este, em que até para se ser solidário tem que aparecer o nome no jornal! Apetecia-me dizer mais sobre estes gestos de solidariedade bacoca e pretensiosa, mas fico-me por aqui. Fica o desabafo.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Tributo a Ary dos Santos
"Cabotino, espectaculoso, truculento, corajoso como poucos, cabeça alevantada, punho cerrado e erguido, olhar de fogo, a chispa indomável de uma labareda interior que o consumia"
Assim começa o elogio fúnebre de José Carlos Ary dos Santos, escrito por Batista Bastos, no Diário Popular de 19-1-1984. Passa hoje mais um aniversário do nascimento (7-12-1937)
"Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo, dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lanzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
poeta castrado não."
Foi um poeta de mão cheia, talentoso, com uma facilidade de escrita admirável. As palavras que escreve são sempre musicais.Há uma cadência musical em tudo o que escreve, mesmo na poesia livresca, digamos, aquela destinada a ser publicada em livro.
"...
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer."
As suas cantigas e poemas reflectiram um tempo, uma época, um amor, um encontro e um desencontro, uma furtiva lágrima, escritas com o "irrespeito que lhe era natural, com a irreverência que lhe era comum" (com o escreveu Batista Bastos).
Um dia disse ao Fernando Tordo: -"Ó puto, escreve uma música onde deu possa meter muitas palavras." Tordo foi descansar e quando, de manhã, chegou ao pé de Ary disse-lhe, trauteando uma espécie de melodia: -"Acordei com esta melodia na cabeça e com a palavra "tarde" a martelar a melodia". Então Ary agarrou na caneta, no papel, e escreveu - em hora e meia - este fantástico poema, com que finalizamos o nosso modesto tributo:
ESTRELA DA TARDE
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite, para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
Assim começa o elogio fúnebre de José Carlos Ary dos Santos, escrito por Batista Bastos, no Diário Popular de 19-1-1984. Passa hoje mais um aniversário do nascimento (7-12-1937)
"Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo, dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lanzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
poeta castrado não."
Foi um poeta de mão cheia, talentoso, com uma facilidade de escrita admirável. As palavras que escreve são sempre musicais.Há uma cadência musical em tudo o que escreve, mesmo na poesia livresca, digamos, aquela destinada a ser publicada em livro.
"...
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer."
As suas cantigas e poemas reflectiram um tempo, uma época, um amor, um encontro e um desencontro, uma furtiva lágrima, escritas com o "irrespeito que lhe era natural, com a irreverência que lhe era comum" (com o escreveu Batista Bastos).
Um dia disse ao Fernando Tordo: -"Ó puto, escreve uma música onde deu possa meter muitas palavras." Tordo foi descansar e quando, de manhã, chegou ao pé de Ary disse-lhe, trauteando uma espécie de melodia: -"Acordei com esta melodia na cabeça e com a palavra "tarde" a martelar a melodia". Então Ary agarrou na caneta, no papel, e escreveu - em hora e meia - este fantástico poema, com que finalizamos o nosso modesto tributo:
ESTRELA DA TARDE
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite, para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça
E o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria
Ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza!
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
sábado, 5 de dezembro de 2009
Poema para o dia de hoje
Está quase a acabar-se o dia. Penso que será bem acabado com um poema de um nome grande da poesia portuguesa, que tem andado um pouco arredado das tertúlias poéticas. Para desgosto dos que apreciam a sua poesia. Aqui fica um poema de Natália Correia. O meu obrigado à Mystic por me a ter lembrado.
Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Amigos parte ll
Chegou o momento de revelar a razão pela qual estes escritos ,que deveriam ter acontecido ontem, só hoje aqui estão. É que depois do almoço com colegas e amigos, à noite fui ao teatro. E o teatro acabou já o dia de hoje tinha entrado. E ao teatro fui também ver colegas e amigos. Lá estavam todos, e todos, diga-se de passagem, desempenhando a contento o personagem que lhe foi atribuído. Alguns com quem nunca trabalhei, e outros com quem já tive o gosto de contracenar. E no fim saí feliz com o trabalho que vi. Excelente em termos de encenação e de desempenho. Obrigado aos meus amigos. A peça é o Otelo, de Shakespeare, um trabalho da ACE/Teatro do Bolhão, encenado pelo japonês Kuniaki Ida. Vale a pena uma deslocação à Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE), na Praça Coronel Pacheco. Vão por mim
OS AMIGOS
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria -
por mais amarga.
Eugénio de Andrade
Amigos parte l
Este escrito deveria ter acontecido ontem aqui no blog. Já saberão porque não. Ontem foi, para mim, um dia cheio. Foi um dia de rever amigos. Todos colegas - de profissão - mas só alguns amigos de peito. Todos já na reserva. Foi o dia em que aconteceu um daqueles dois ou três almoços anuais onde habitualmente nos encontramos. Alguns de nós já não se viam há algum tempo, porque por isto ou aquilo, nem sempre é possível estarmos todos. E então, num restaurante de Matosinhos, saboreando bom peixe, todos saboreámos também boas - e algumas menos boas, mas essas em menor número - recordações. Vieram à baila as "gafes" que por vezes aconteciam, algumas delas e ainda bem presentes no nosso anedotário. E também as coisas boas que profissionalmente fizemos, os laços que fomos cimentando, e as pedras no sapato que (felizmente nem todos) tivemos que aguentar. Como é que está a família, já tens netos, e quantos, o que é que fazes agora, as perguntas do costume, uns não fazem nada, outros vão buscar e levar os netos à escola, um vai prá quinta onde se entretém com a sachola, outros ainda, fazem aquilo que sempre gostaram de fazer fora da profissão. E chegámos todos à conclusão que felizmente ainda estamos vivos. Bem, muitos de vocês sabem como são estes almoços. Até ao próximo.
AMIGO
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo.
"Amigo" é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
"Amigo" (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!
"Amigo" é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, practicada.
"Amigo" é a solidão derrotada!
"Amigo" é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
"Amigo" vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
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