Carantonha- s.f.-contorsão do rosto, esgar, máscara, cara feia, carranca, caraça. * Em criança, na região de onde sou natural, e onde então vivia, quando se brincava ao carnaval, o artefacto que nos ocultava o rosto, era a carantonha porque por norma era coisa feia. O tempo passa, a evolução acontece, e hoje, pelo menos quando jogamos ao carnaval, usamos uma máscara. Ou será que não a usamos todos os dias?
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Em Portugal o culto aos mortos está ligado à Igreja Católica, e remete para o Dia de Todos os Santos, um dia sagrado, e no qual se presta homenagem aos santos e mártires cristãos. A parte pagã da tradição entra aqui com as crianças, que em grupos saem à rua a pedir de porta em porta o pão – por - Deus, cantando, e recebem pão, romãs, frutos secos, e até enchidos. Em algumas regiões oferece-se um bolo chamado Santoro. Quando miúdo também cantei os santoros e na minha região até ofereciam dinheiro.
Xácara das bruxas dançando
1
Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.
Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.
Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.
No país que outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.
Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças da morte.
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.
3
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros,
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que vento de agoiro
vos apodreceu?
Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram.
Caravelas, caravelas,
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz.
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.
As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como num tambor de rojo.
Carlos de Oliveira, in Trabalho Poético
Editora Sá da Costa, s/data
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Com o teu olhar
O texto que se segue, do qual eu gosto particularmente, demonstra-o. Será uma prosa poética, ou um poema em prosa?. Melhor, é um prosema.
(*) O texto entre aspas e em itálico, faz parte de uma crónica, “Texto”, que consta do seu livro de crónicas À Esquerda de Deus.
COM O TEU OLHAR
responde-me com o teu olhar.
só com o teu olhar. onde quer que estejas.
responde-me com o teu abraço que me conforta este tempo
confuso de andar por aí
por mim a dentro
fugindo à chuva brava da noite escura.
procura para mim aqueles que gostam de Brel que não se esqueceram de Liszt.
procura para mim os tocadores de piano que dizem adeus enquanto envelhecem
aqueles que vão morrendo nos calendários com Chopin nos dedos
e que não choram e que não sabem chorar quando a alma parte definitivamente partida em pedaços de som e de êxtase.
encontra para mim quem ainda saiba andar descalço sobre o chão
descalço assim sem mais nem menos sem medo dos bichos das febres e do absurdo.
procura então quem se lembre…
será que alguém se lembra ainda da agonia e da barafunda de partir para uma guerrilha lá longe e de voltar
e da alegria de voltar e da alegria de quem nos vê voltar
e que depois desaparecem e que depois…
já são outros que não são nossos e que são quase estranhos a esperar-nos?
e são estranhos quase para sempre e que têm poucos beijos para nós
e nós estamos sós entre milhões de companhias que não são companheiros.
dois instantes depois partimos o coração que era branco e ganhamos uma sombra desconfiada entre o peito e a vida.
encontra para mim aquele anjo
o único anjo que existe
e que dormia todas as noites no telhado da minha casa.
aquele anjo que ainda sinto hoje todas as noites aos pés da minha cama com a voz calma de quem não sabe nunca abandonar-me ao frio de histórias outras.
conta-me uma história ou fala-me da vida. só mais uma vez mas para sempre se puderes.
procura para mim aquele eu que se escondia entre os jarros as rosas as sardinheiras e os trevos em vasos que se encostavam à torneira do pátio.
diz-me que está calor que os pássaros sabem as árvores e os regatos sabem as águas e que o vento que por aí ronda é apenas mais um bocado de saudade que não sabe para onde ir.
responde-me com o teu olhar:
ainda me conheces?
Com a devida vénia ao Nelson Ferraz e ao Jornal “MaiaHoje”,
onde foi publicado em 27-06-08
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Aviso
OUTONO
terça-feira, 21 de outubro de 2008
A mão de Deus
Aqui fica o poema. Julguem-no. Ou julguem o autor. Ou julguem este carantonha, que o deu à estampa. Estejam à vontade.
8.
A linha do horizonte faz uma curva perigosa e está fora de mão.
A linha do horizonte, afinal, é um embuste linear e um veículo mal conduzido.
Quem lhe deu esta grandeza esqueceu-se de que lhe estava a dar todo o poder.
Ouviste, Deus?, é contigo .
Ou será que te enganaste e não percebeste que o horizonte não é para se ver de cima?
Já não é a primeira vez que te apanho em falso.
Repara nos homens.
Nas guerras.
Na fome.
Nos incêndios e nas cheias.
Queres pior?
Repara na mentira.
Queres um resumo? Repara em ti.
Já sei, já sei. Para estes casos tu não és nenhuma entidade superior,
tu és dentro de cada um de nós.
Mas a multa do horizonte fora de mão, essa pagas tu.
Do livro "Quando não souberes copia", edição CAMPO DAS LETRAS, 1ª edição, Maio de 1997
sábado, 18 de outubro de 2008
O que aprendeste hoje na escola...
O que aprendeste hoje na escola
(Tom Paxton, cantado por Pete Seeger)
O que aprendeste hoje na escola, meu querido menino?
Aprendi que Washington nunca mentiu
Aprendi que os soldados raramente morrem
Aprendi que toda a gente é livre
Foi isso o que o professor me disse
E foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola meu querido menino?
Aprendi que a gueera não é assim tão má
Aprendi que a justiça nunca acaba
Aprendi que os assassinos morrem pelos crimes que cometem
Ainda que nós erremos algumas vezes
E foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola, querido menino?
Aprendi que a gurre não é assim tão má
Aprendi acerca dos notáveis que tivemos
Lutámos na Alemanha e em França
E qualquer dia eu terei a minha oportunidade
Foi isso que aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
O que aprendeste hoje na escola, querido menino?
Aprendi que o nosso governo deve ser forte
Está sempre certo e nunca erra
Os nossos chefes são os melhores
Por isso os elegemos sempre e sempre
Foi isso que eu aprendi hoje na escola
O que eu aprendi na escola
What Did You Learn in School Today
(Tom Paxton cantado por Pete Seeger)
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that Washington never told a lie
I learned that soldiers seldom die
I learned that everybody's free
That's what the teacher said to me
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learned that policemen are my friends
I learned that justice never ends
I learned that murderers die for their crimes
Even if we make a mistake sometimes
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear little boy of mine?
I learneds that war is not so bad
I learned about the great ones we have had
We fought in Germany and in France
And some day I might get my chance
And that's what I learned in school today
That's what I learned in school
What did you learn in school today, dear littlr boy of mine?
I learned that our government
must be strong
It's always right and never wrong
Our leaders are the finest men
So we elect them again and again
And that's what I learned in school today
That's I learned in school
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Dia Mundial da Alimentação
Nota: quis deixar-vos aqui a nova roda dos alimentos para vos ajudar a escolher os alimentos, mas por causa de um qualquer erro que não me foi possível resolver ficam só os poemas.Como costumo dizer, fiquem bem e façam o favor de se portar mal.
POESIA À (OU NA) MESA
*******
Dá a surpresa de ser.
È alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ò fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa (Antologia Poética, da Editora Ulisseia)
DE TARDE
Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter histórias nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via:
e houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde (De O Livro de Cesário Verde, citado de cor)
Diospiros
Há frutos que é preciso
acariciar
com os dedos com
a língua
e só depois
muito depois
se deixam morder
+++
Nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu
de tua boca.
(Dois poemas de Jorge de Sousa Braga, do livro Balas de Pólen,
in Poesia à Mesa – Antologia, da quasi Edições)
+++++
Soneto C/IVA
Pedi dois cafés sorrindo
que não era normal
trouxeram-me um duplo.
o néctar de pêra veio de pêssego.
a mágoa das pedras pode ser Vidago?
o bife saignant saiu trop cuit.
não tinha mais trocado
não me disseram bom dia.
não deixei gorjeta
puseram-me na rua.
fui para casa ler a Dobrada
à Moda do Porto do Pessoa
nem sem antes pedir o livro
de reclamações que não havia.
Joaquim Castro Caldas, do livro Convém Avisar os Ingleses
in Poesia à Mesa – Antologia, da quasi Edições
+++++++
FRUTOS
Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música dos meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.
Eugénio de Andrade, de Poesia, in
Poesia à Mesa- Antologia da quasi Edições
porco trágico I
conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.
a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muito
de si
e pouco ou nada dos outros.
o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também.
Alberto Pimenta, de Obra Quase Incompleta,
in Poesia à Mesa- Antologia, da quasi Edições
*********
Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra;
um dia encontraram-se num caminho muito estreito,
e devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra
não ficou nada.
Esta história tradicional demonstra que se deva amar o próximo,
ou então ter muito cuidado com o que se come.
Ana Hatherly, do livro Tisanas, citado de cor
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Nem só de pão vive o homem
Maria Mamede
Cartas
Quando te escrevo, meu amor
E nunca te escrevo,
Vai a minha alma inteira
Nessas linhas
E escrevo palavras comezinhas
Sem encanto, sem esplendor
Sem poesia,
Palavras
Sem prata de luar
Sem luz do dia
Palavras,
Onde a noite principia
Nas sombras qu dou
A qualquer carta;
Quandop te escrevo, meu amor
Nada te digo
De saudade de ti, de nós
Do mundo
Nem falo
Do luto profundo
Que habita cá dentro
Em minha voz
Nas palavras que calo
Que não canto;
Ayh meu amor
Como dói tanto
Calar
Nas cartas que não escrevo
As notícias que tenho p'ra te dar!
Mas sei
Que as cartas que não escrevo
O vento tas irá levar!..
Amanhã
Quando em mim se enrosca esta agonia
De dor lancinante e sem sossego
É a ti que me agarro e apego
Para ouvir: "Amanhã é outro dia!..."
Quando a noite chega e é fantasia
Num sonho que não quero e que renego
Tu dizes: "Amanhã, é outro dia!"
E a ti me agarro e apego.
Não tires a mão da minha mão
Não deixes de ser a condução
Que necessito p´ra seguir confiante...
Não te apartes de mim; ando sem norte
Nesta vida sê meu braço forte!
Vai negra a noite p´lo futuro adiante!...
Estes dois poemas constam da Antologia DEZSETE da
Edium Editores
C
Sempre que imaginava
Cobria-te de estrelas
E vai-te
Cavalgando um cavalo de vento
Que de crinas soltas, negras como a noite,
Desaparecia no espaço
Voando até outras galáxias...
Agora, que te conheço,
Cubro-te de Sol,
E coroo-te de miosótis!
(Azul e oiro sempre formaram uma combinação perfeita).
Claro que o nosso romance há-de acabar;
Nessa altura, voltarei a cobrir-te de estrelas,
Mas levarei comigo os miosótis!...
Do livro Pelas letras do alfabeto
Nelson Ferraz
Do livro As palavras côncavas-Editora Ausência
Eu tinha uma montanha
azul como as calças de um palhaço
cheia de flores
azuis como olaço de um palhaço
um dia convidei o palhaço
para visitar a minha montanha
e o palhaço vestiu-se todo de azul
e foi
foi um dia lindo
azul como o casaco daquele palhaço
mas o tempo foi passando
azul como tude de um palhaço
e a montanha desapareceu
azul como a saudade de um palhaço
eu tinha uma montanha
azul como a história de um palhaço
cheia de sonhos
azuis como as lembranças
um dia vieram outras cores
para pintar a montanha
e o palhaço escondeu-se no azul
e foi
foi à procura de uma página
azul onde coubesse a vida toda
De Novíssimos, Antologia-Editora Ausência
Aqui ficam alguns poemas da Maria Mamede e do Nelson Ferraz. É só uma pequena amostra daquilo que eles são capazes de fazer. Usem-nos (aos poemas), mas não os abusem (os poemas)
domingo, 12 de outubro de 2008
Última hora!
Viva a gataria da cidade! Um dia destes ainda vou aparecer no Tinoco.
Aqui há gato(s)...
O que alguns escreveram acerca de gatos:
«Gatos falam com os rabos»
Cleveland Amory
«Os gatos podem ser engraçados, mas têm os modos mais estranhos de mostrar a sua alegria. O nosso sempre urinou nos nossos sapatos»
W. H. Auden
«É fácil entender porque é que os gatos despertam antipatia nas pessoas. Um gato mostra-se sempre bonito, sugestionando ideias de luxo, limpeza e prazeres voluptuosos»
Charles Baudelaire
«O gato é acima de tudo um dramaturgo»
Margaret Bensen
«Tenho sempre um calafrio quando vejo um gato que vê o que eu não posso ver»
Eleanor Farjeon
«Eu dei uma ordem ao gato e o gato deu-a ao seu rabo»
Provérbio chinês
«Se um homem pudesse ser cruzado com um gato melhoraria o homem mas deteoriaria o gato»
Mark Twain
«Gato amarelo ou gato preto, se apanhar ratos, é um bom gato»
Deng Xiaoping
«Um gato de luvas não captura nenhum rato»
Benjamin Franklin
(*) O Mago, o Lambão, a Faísca, o Zimbro, o clube Tinoco e a D. Maria da Glória Sância, são personagens do conto Mago, que faz parte do excelente livro os Bichos de Miguel Torga.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Ó senhor prior!!
domingo, 5 de outubro de 2008
Hoje apetece-me...
Poema do gato
Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento rem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo a acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as máxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna,
rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
António Gedeão
História de gatos
Eu tinha um gato malhado
Que era muito malcriado
Se lhe dizia «bom dia»
Ele nem me respondia.
Se o mandava caçar,
Deitava-se a ressonar.
Se o mandava à escola
Ele ia jogar à bola.
Se o mandava pescar,
Até fugia do mar.
Aquele gato malhado
Não me fazia um recado,
Era só vê-lo miar
E dormir ou ressonar.
Deitei-o pela janela.
Entrou-me um gato por ela
Mais uma gata amarela
E os doze filhos dela.
Sentaram-se à minha mesa,
Comeram-me a sobremesa,
Dormiram no meu colchão,
Rasgaram o meu roupão
E dentro dos meus sapatos
Fizeram xixi os gatos.
Para ficar sossegado
Fui viver para o telhado.
LUISA Ducla Soares
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
ATÉ SEMPRE
Acabo de saber do passamento, há poucas horas, do meu amigo FERNANDO PEIXOTO. Sabia que o seu estado de saúde era preocupante, porque há dias, estando ele hospitalizado, contactei-o, tendo-me ele dado conta de exames que estava a realizar, uma vez que os médicos não sabiam exactamente o que lhe minava a saúde. Sabê-lo-iam, ele não. Mas, pelo menos para mim, não era expectável que nos deixasse tão cedo. O Fernando Peixoto era um homem da cultura, com quem se gostava de estar e de conversar. Além de dedicar parte do seu tempo à investigação, era professor de Teatro na ESAP e na Escola Superior de Educação, onde procurava incutir nos seus alunos o amor e a conduta responsável na actividade que escolheram. Por vezes controverso, era um convicto lutador pelas ideias que defendia, mesmo no blog Todo o Mundo é um palco, de que era responsável. O Fernando era também um excelente poeta. Muitas vezes me servi da sua poesia nos meus espectáculos. Sei que a cidade fica mais pobre ao vê-lo partir. Sei que os seus amigos lamentam ficar privados do seu convívio, mas sei também que a sua lembrança perdurará, e que nas nossas conversas de amigos o Fernando estará muitas vezes presente. Antes da despedida, em geito de homenagem, fica um bonito poema de amor, que ele sabia traduzir tão bem.
NÃO, MEU AMOR
"Não, meu amor...Nem todo o corpo é carne" -David Mourão-Ferreira
Não, meu amor, também és fogo
na forma como incendeias os sentidos.
Não, meu amor, também és raiva
onde espojo meu corpo em suor.
Não, meu amor, também és água
a dessedentar minha língua
seca de silêncio e de vómito.
Não, meu amor. Não és apenas carne,
nem apenas caule, nem apenas fruto,
mas sobretudo a seiva
de que se alimenta a minha ânsia de fuga.
Não, meu amor, também és mulher,
a parte que não existe em mim, homem!
"Não meu amor...Nem todo o corpo é carne".
Às vezes é uma viagem
ao interior uterino da criação
ao Imo da Vida
Fernando Peixoto
Com a minha saudade, ATÉ SEMPRE, FERNANDO
NOTA: Os versos do poema não são tão espaçados. Como ainda sou um "nabo" recente nestas andanças de blogs, há problemas que não sei (ainda) resolver. Lá virá o tempo.