segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Nem só de pão vive o homem

Quando jovem, estudei no Instituto Comercial do Porto (ICP), hoje ISCA, do qual era director um engenheiro da hoje extinta UEP- União Eléctrica Portuguesa. Não recordo do nome do dito director, mas tenho bem presente a imagem fisica, quase ridícula, do mesmo. Os carantonhas que andam pelos quarenta e tal, cinquenta e pico, sessenta e qualquer coisa, se tinham e têm o hábito de ler jornais, lembrar-se-ão de uma tira de BD publicada no Primeiro de Janeiro, o Reisinho, personagem pequena e gorda. Assim era também o nosso director. Conhecido entre os alunos por Reisinho, por duas razões: por ser o director- o rei - e por ser gordo e baixo como a personagem dos quadrinhos. Ora, o nosso director, na cerimónia de abertura do ano escolar, utilizava sempre a mesma expressão ao iniciar o seu discurso de boas vindas: "Nem só de pão vive o homem, mas também vive de pão". Aqui chegado, e parafraseando o director, direi também que "nem só poesia vive este blog, mas também vive de poesia". Se aí em baixo já aparece um ou outro poema, é tempo de trazer aqui a boa poesia de dois antigos colegas e meus amigos pessoais, a qum muito estimo: a Maria Mamede e o Nelson Ferraz, os dois já com vários livros publicados.



Maria Mamede



Cartas



Quando te escrevo, meu amor

E nunca te escrevo,

Vai a minha alma inteira

Nessas linhas

E escrevo palavras comezinhas

Sem encanto, sem esplendor

Sem poesia,

Palavras

Sem prata de luar

Sem luz do dia

Palavras,

Onde a noite principia

Nas sombras qu dou

A qualquer carta;

Quandop te escrevo, meu amor

Nada te digo

De saudade de ti, de nós

Do mundo

Nem falo

Do luto profundo

Que habita cá dentro

Em minha voz

Nas palavras que calo

Que não canto;

Ayh meu amor

Como dói tanto

Calar

Nas cartas que não escrevo

As notícias que tenho p'ra te dar!

Mas sei

Que as cartas que não escrevo

O vento tas irá levar!..



Amanhã



Quando em mim se enrosca esta agonia

De dor lancinante e sem sossego

É a ti que me agarro e apego

Para ouvir: "Amanhã é outro dia!..."



Quando a noite chega e é fantasia

Num sonho que não quero e que renego

Tu dizes: "Amanhã, é outro dia!"

E a ti me agarro e apego.



Não tires a mão da minha mão

Não deixes de ser a condução

Que necessito p´ra seguir confiante...



Não te apartes de mim; ando sem norte

Nesta vida sê meu braço forte!

Vai negra a noite p´lo futuro adiante!...



Estes dois poemas constam da Antologia DEZSETE da

Edium Editores



C



Sempre que imaginava

Cobria-te de estrelas

E vai-te

Cavalgando um cavalo de vento

Que de crinas soltas, negras como a noite,

Desaparecia no espaço

Voando até outras galáxias...

Agora, que te conheço,

Cubro-te de Sol,

E coroo-te de miosótis!

(Azul e oiro sempre formaram uma combinação perfeita).

Claro que o nosso romance há-de acabar;



Nessa altura, voltarei a cobrir-te de estrelas,

Mas levarei comigo os miosótis!...



Do livro Pelas letras do alfabeto



Nelson Ferraz



Costumava procurar-te no ébano da ausência.

Não te encontrava nunca na tarde.

Nem nas gotas aveludadas na chuva nos vidros das janelas.

Nem em lado nenhum dos meus passos.


Já nesse tempo me apetecia escrever-te.

Já nesse tempo me apetecia gostar de ti.

Por isso podes imaginar a alegria que tenho agora.

Agora que te tenho na borda da minha alma.


Fizeste das minhas horas

Um ramo de momentos de oiro

E ficaste de mão dada

Às páginas dos meus sonhos


Deixa-me dizer-te mais uma vez que te amo.


Da micro colecção PINGUIM POESIA EM PÓ


A VONTADE


A vontade entricheirou-se no poente

E tudo vai ser diferente

A partir deste verso


O homem desinventou a mensagem

Mas não abranda nunca a sua foice


Por isso, os cadernos e as searas

Vão ser sempre uma viagem

Onde o vento vai ser notícia


E no coração rebelde e submerso

Do papel e dos livros

Vai nascer, um dia destes, a inquietude

De quem não desiste das perguntas


Porque a vontade é um falcão

Uma semente de manhã

Do livro As palavras côncavas-Editora Ausência

Eu tinha uma montanha

azul como as calças de um palhaço

cheia de flores

azuis como olaço de um palhaço

um dia convidei o palhaço

para visitar a minha montanha

e o palhaço vestiu-se todo de azul

e foi

foi um dia lindo

azul como o casaco daquele palhaço

mas o tempo foi passando

azul como tude de um palhaço

e a montanha desapareceu

azul como a saudade de um palhaço

eu tinha uma montanha

azul como a história de um palhaço

cheia de sonhos

azuis como as lembranças

um dia vieram outras cores

para pintar a montanha

e o palhaço escondeu-se no azul

e foi

foi à procura de uma página

azul onde coubesse a vida toda

De Novíssimos, Antologia-Editora Ausência

Aqui ficam alguns poemas da Maria Mamede e do Nelson Ferraz. É só uma pequena amostra daquilo que eles são capazes de fazer. Usem-nos (aos poemas), mas não os abusem (os poemas)



4 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Ora quanta honra, Vô Miquinhos!!!
Não só por ser a primeirinha, mas também por ter tido a alegria de ver trabalhos meus (e do Nelson) na abertura do teu Blog!
Que posso dizer-te a não ser...
Bem Hajas Amilcar!!!
Que este Blog te dê muitas alegrias!
Beijos da
Maria Mamede

Anónimo disse...

Que bom ouvir alguém que nem sequer conheço, chamar ao meu pai, tão carinhosamente, Vô Miquinhos.
Que posso dizer-te a não ser...
Bem Hajas, Maria Mamede.
E este blog não vai trazer só alegrias, também companhia e reconhecimento.
Bem Hajas Amilcar.

Pedro.

Anónimo disse...

Habituado às palavras e às emoções das palavras, eis que atravessas a ria e afagas outras margens,sem o papel como barco.
Acabou de nascer mais um lugar onde é possível encontrar-te, meu amigo. Eis o "diseur"!
Um abraço dos antigos.
Nelson Ferraz

Carantonha disse...

Obrigado Maria Mamede e Nelson Ferraz, pelo vosso apoio. Gostaria de vos dizer que os poemas publicados não serão aqueles de que vocês ou eu gostamos mais, mas ´~ao simplesmente são os que no momento tinha mais à mão. Espero que sejam complacentes.