domingo, 29 de novembro de 2009

Para acabar o dia em paz


O Carantonha escrevinhador, pede licença aos quatro carantonhas que habitualmente o seguem, para fazer gazeta hoje. Mas não quer acabar o dia sem deixar mais um poema. Desta vez um poema de esperança, de Sophia de Mello Breyner Andresen.


A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

sábado, 28 de novembro de 2009

Poema para acabar o dia

O dia acabará bem com um poema de António Gedeão. A escolha recaiu no conhecido (espero)

LÁGRIMA DE PRETA

"Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado
do outro e de frente
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio."

Carantonhas, bons sonhos.

"Futeboleiros", divirtam-se

Já aqui falei dele, há uns dias, quando escrevi sobre António Aleixo. Chamava-se, artisticamente, Tossan, nome de batismo António Santos. Era artista plástico e escrevia poesia de pendor surrealista e humorístico. Aviso aos "futeboleiros": o poema que vai ficar aí em baixo não tem nada que ver com o derby lisboeta que hoje se disputou. Era para ter sido já posto aqui no blog, mas a circunstância que o legitimaria gorou-se. E porque tenho comigo uma cópia manuscrita e assinada, de onde faço a transcrição, entendi que hoje ficaria bem aqui, numa homenagem ao futebol.
Instalem-se, carantonhas, e usufruam. Uma sugestão:procurem ler o poema ao ritmo de um jogo de futebol. Verão que se divertem

ODE AO FUTEBOL

Rectângulo verde
meio de sombra
meio de sol
vinte e dois em cuecas
jogando futebol
correndo
saltando
ziguezagueando
ao som dum apito
dum homem magrito
também em cuecas
e mais dois carecas
com uma bandeira
de cá para lá
de lá para cá

"Bola ao centro
bola fora
fora o árbitro"!
~
E a multidão
lá do peão
gritava
berrava
gesticulava
e a bola coitada
rolava no verde
rolava no pé
de cabeça
em cabeça
a bola não perde
um minuto sequer
e zumbindo no ar
como um besoiro
toda redonda
toda bonita
vestida de coiro

O árbitro corre
o árbitro apita
o público grita
bola nas redes

Laranjadas
pirolitos
asneiras
palavrões
damas frenéticas
gordas
esqueléticas
esganiçadas aos gritos
todas à uma
todos ao um
ao árbitro roubam o apito

Entra a guarda
entra a polícia
os cavalos a correr
os senhores a esconder
uma cabeça aqui
um pé acolá
ancas
coxas
pernas

cabeças no chão
cabeças de cavalo
cavalos sem cabeça
com os pés no ar
fez-se em montão
a multidão.

E uma dama excitada
que era casada
com um marido
distraído
no meio da bancada
que estava à cunha
tirou-lhe um olho
com a própria unha

À unha, à unha!
Ânimos ao alto!...
E no fim
perdeu-se o campeonato!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Rei, mulheres, e...

Em 27 de Novembro de 1807, com as tropas da Iª Invasão francesa já dentro de Portugal, e numa jogada de antecipação da corte, o príncipe regente D. João, que viria a ser coroado rei como D. João VI, e a restante família real, "fogem" para o Brasil. Instalou-se no Rio de Janeiro, tornando-a a capital do que vem a ser sonhado como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. D. João VI era o segundo filho de D. Maria I. Estava habituado a entregar-se à caça e a "percorrer os conventos", totalmente despreocupado com os negócios públicos, que se lhe tornavam indiferentes. Assumiu a regência do reino em 1792, por sua mãe, a rainha D. Maria I, ter enlouquecido. Casou com D. Carlota Joaquina de Bourbon, filha de Carlos IV de Espanha por procuração - a princesa tinha então 10 anos - em 1785, mas o casamento só foi consumado em 1790.

O poeta brasileiro, Raimundo Calado, escreveu um poema, "D. João VI e a mulata", com o qual caracteriza a faceta do rei mulherengo e gordo. Aqui fica:

D. JOÃO VI E A MULATA

Quando a corte de D. João VI
chegou a Paquetá
tudo servia de pretexto
para sussurrar e criticar
certa mulata que havia lá!
Dizem que ela era um perigo
que ela era uma tentação.
E que um marquês de nome antigo
desdenhava do rei,
não cumpria a sua lei,
para ser só dela o cortesão...

Mas quando alguém o censurasse
pedindo ao rei que a exilasse
pelo mal que fazia,
D. João VI trincava uma coxinha
de frango ou de galinha
e sempre respondia:
- Já lhes disse que aqui em Paquetá
eu sigo as leis da corte de Lisboa.
- E não me digam que a mulata é má
porque eu decreto que a mulata é boa.
- E não me digam que a mulata é má
pois eu decreto que a mulata é boa.

Certa noite muito escura
a moça se assustou
vendo surgir uma figura
gorda a ofegar
que sem falar
nos gordos braços logo a apertou.
Ela sentiu-se muito aflita
como dizer que não
Até na treva era bonita.
E lá fez de conta
que ficava tonta
sem saber quem era seu D. João.

Mas quando alguém o censurasse
pedindo ao rei que a exilasse
pelo mal que fazia,
D. João VI trincava uma coxinha
de frango ou de galinha
e sempre respondia:
Já lhes disse que aqui em Paquetá
eu sigo as leis da corte de Lisboa
E não me digam que a mulata é má
porque eu já sei que a mulata é boa.
E não me digam que a mulata é má
porque eu já sei que a mulata é boa.

Carantonhas, bom começo de fim de semana, e se puderem fazê-lo prolongar-se, aproveitem-no bem.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Mário Cesariny (1923-2006)

Mário Cesariny (Mário Cesariny de Vasconcelos, foi pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo português.
Foi o criador, em Portugal, da técnica designada "cadáver esquisito", que consiste na construção de uma obra poética por várias pessoas, num trabalho em cadeia criativa, em que cada um dá continuidade, em tempo real, à criatividade do anterior, desconhecendo, ou conhecendo apenas parte do que este criou.

Faleceu em 26 de Novembro de 2006.


TODOS POR UM

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha do cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa
não terem de recorrer à vala comum.

Factos

Iª Guerra Mundial - Neste dia do ano de 1917, a 2ª Divisão do Corpo Expedicionário Português, assume, na frente de guerra, a responsabilidade da sua parte do Sector Português.

Ficamos com um pensamento de Albert Einstein: - "Não sei com que armamento se combaterá a Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta Guerra Mundial será combatida com paus e pedras"

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Não é por nada

Não é por nada...

QUASE ELEGIA

Ainda terás nome?
Esse que te dei, chama
ou asa, ainda te pertence?

Se tens ainda nome
por que não respondes? por que não
te aproximas para respirar

comigo o mesmo sol, o mesmo riso?
Também a transparência,
claro rumor de tílias, morre

quando se morre?
ou só morre a espessura dos dias,
o peso do ar?

Com as mãos, com os olhos, seja
com o que for, dentes ou sílabas,
escavarei o chão até romper

a água - para sempre acesa.

... mas apeteceu-me acabar o dia com um poema do Eugénio de Andrade.
Votos para amanhã: CARPE DIEM

Bento Espinosa (1632-1677)

Continuo a pensar que não percebo nada das coisas da filosofia (não deveria escrever Filosofia?), mas confesso que nutro especial admiração pelos pensadores que se devotam ou se devotaram (alguns deram até a vida por ela - vide Inquisição) ao seu estudo e defesa das suas ideias. Mas também penso que ainda sei o suficiente para perceber que se houvessem sido aceites as teses defendidas, vai quase para 350 anos, por Bento Espinosa, hoje ninguém se "chatearia" com Saramago por este se "meter" com Deus e falar do dogma da crueldade divina. Perguntarão (e têm razão para isso):"e o que tem o Espinosa a ver com o Saramago?" Com o pouco que sei, vou tentar responder. Espinosa foi um profundo estudioso da Bíblia e do Talmude (compilação de leis e tradições judaicas). Defendia que a Bíblia era uma alegoria que não deve ter leitura racional e que não exprime a verdade sobre Deus. Para Espinosa, Deus e a natureza são a mesma coisa. Deus é uma emanação da Natureza e do Universo, a Natureza é que produz tudo o que existe. Deus é produtivo, não criador. Perceberam?
Resta dizer que Bento (Baruch, na sua forma hebraica) Espinosa nasceu em Amesterdão em 24 de Novembro de 1632, filho de judeus portugueses - da Vidigueira - que se haviam refugiado na Holanda, fugidos à Inquisição, por serem cristãos-novos. Em 1656 foi expulso da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, em virtude das ideias que defendia. Morreu em Haia, em Fevereiro de 1677, vitima da tuberculose.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Direitos da Criança

Era uma vez...
... e se existisse um país pintado com muitas e variadas cores, onde os lugares fossem jardins e as ruas tivessem nomes de flores, e os sonhos se pudessem tornar realidade?
Olha, lá estou eu a sonhar! Se houvesse um país assim, seria o país ideal para as crianças crescerem e se fazerem gente. Pronto, já sei, não deixa de ser um sonho.Pois se as Nações Unidas (unidas?) só há 50 anos (feitos hoje) publicaram a Declaração dos Direitos da Criança, e levaram mais 30 anos (1989) na publicar a Convenção que fez dela lei, quem sou eu para me pôr para aqui a divagar?
Tem este introito uma razão. É ela a intenção de vos dar a conhecer um bonito texto-poema do meu amigo Antero Monteiro, em que ele sintetiza de um modo fantástico os direitos da criança, e que utilizámos no nosso trabalho O Semeador de Palavras, junto de escolas do 1º ciclo.
Eis o poema:

DIREITOS DA CRIANÇA

A criança tem direito a ter um nome e uma nação
Tem direito a não ter fome e a ter pão
Tem direito à liberdade
Tem direito à igualdade
Tem direito à educação
Tem direito a ter amor e compreensão seja qual for a sua raça, a sua cor ou religião
Tem direito ao tratamento
Tem direito à amizade e à protecção na negligência, crueldade e exploração
Tem direito à segurança
Tem direito a ser criança

E se eu soubesse que as crianças liam este blog, dir-lhes-ia, como o fazia nas escolas: Façam com que se cumpra esta declaração.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Peúgas


Hoje, ao passar os olhos sobre as notícias na comunicação social, deparei com uma que, por associação de ideias, me lembrou um texto de Jorge de Sena, escrito na fase de estadia nos EEUU.

A notícia referia-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.O Governo propõe-se apresentar o diploma, mas vai também providenciar alterações na lei da adopção, de forma a que não seja possível por casais homossexuais. A notícia resumida. Agora a história de Jorge de Sena, citada de memória, mas garanto que com as palavrinhas todas. Só a pontuação pede diferir. É, de resto, uma história inofensiva. Cá vai:


"Depois que acabara o party em casa do sujeito que o dera, e foram saindo todos, uma das convidadas que se esquecera (ocasionalmente?) dos cigarros, voltou atrás a buscá-los.

Abriu a porta e recuou pasmada.

O dono da casa e um dos convidados, estavam estendidos no tapete, nus, e de peúgas,

Até hoje, uma só pergunta a inquieta: - Porquê de peúgas?"


E por aqui me fico. Que vos aproveite...

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Abraçar é...

Hoje de manhã acordei bem disposto e com uma vontade enorme de que o dia me corresse bem, pois tinha combinado com o João sem Medo acompanhá-lo nos seus encontros com a Fada dos dois Caminhos, com o Homem sem Cabeça, com a Menina de Cristal, o Gramofone com Asas, o Príncipe de Orelhas de Burro, o Rocinante (esse mesmo, o cavalo de D. Quixote), a Menina dos Pés Ocos, a Pedra, e muitos outros. Frente ao espelho, sorri para ele, como faço quase todas as manhãs, ele sorriu para mim, (ou seria a minha imagem a sorrir para mim?) e eu disse-lhe:-Espelho meu, espelho meu (não, não lhe perguntei nada, eu já sei que sou o mais bonito!) hoje acordei tão bem disposto que vou abraçar todas as pessoas que encontrar na rua. O espelho abriu-se num largo sorriso, ficou do tamanho de toda a parede e assentiu com a cabeça (seria eu reflectido, a acenar?). Mas eis que, catrapuz, lá vem a ZON estragar-me o dia: telefone avariado, chamada p'raqui, chamada p'racolá, o saldo do celular a voar, corridas às lojas. Resultado:toca a desembolsar, telefone novo e dia estragado. E, zangado como estava, lá se foram os abraços. Mas para que os meus caros carantonhas não fiquem desapontados, aqui fica um texto muito bonito sobre o abraço:

ABRAÇAR É


Precisamos de quatro abraços por dia para sobreviver.
Precisamos de oito abraços por dia para manutenção.
Precisamos de doze abraços por dia para crescermos.

Virgínia Satir

"Abraçar é saudável. Ajuda o sistema imunológico, cura a depressão, reduz o stress e induz o sono. É revigorante, rejuvenescedor e não tem efeitos secundários desagradáveis. Abraçar é um remédio miraculoso.
Abraçar é natural. É orgânico, naturalmente doce, sem ingredientes artificiais, não é poluidor, é amigo do ambiente e 100% motivador.
Abraçar é o presente ideal. Óptimo para qualquer ocasião, divertido de dar e receber, mostra atenção, vem em invólucro próprio, e é totalmente devolvível.
Abraçar é practicamente perfeito. Não tem pilhas que se gastem, é à prova de inflação, ,não engorda, não tem pagamentos mensais, é à prova de roubo e não está sujeito a impostos.
Abraçar é um recurso sub-utilizado com poderes mágicos. Quando abrimos os nossos braços e os nossos corações, incentivamos os outros a fazerem o mesmo.
Pense nas pessoas da sua vida. Há algumas palavras que queira dizer? Há alguns abraços que queira dar? Está à espera, na esperança de que alguém peça primeiro? Por favor, não espere! Tome a iniciativa!"

Charles Faraone
In O Pequeno Livro da Canja de Galinha para a Alma

Vá lá, tome a iniciativa e venha de lá esse abraço, que eu estou de saída para o Púcaros. para uma sessão de poesia. Até amanhã.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

E hoje estou feliz

Hoje fui mais uma vez, almoçar com o meu colega Nelson Ferraz. E voltámos a falar das Aventuras de João Sem Medo. Por coincidência ou premonição, não sei. E hoje estou felicíssimo. Porquê? perguntarão os caros carantonhas, e o Nelson também. Então não é que depois de almoço me telefonou a filhota, feliz também, comunicando-me que hoje eu tinha ajudado o neto mais velho. Intrigado, perguntei porquê, e vocês, caros carantonhas, perguntem também: porquê? E lá veio a explicação. Na turma do Ricardo (o neto), na disciplina de português, uma das tarefas era ler um livro e depois explicar a história na aula, bem como dar a conhecer o autor.
O Ricardo aconselhou-se com a mãe, e como eu em tempos lhe tinha oferecido as Aventuras de João sem Medo, que ele só tinha começado a ler, foi-lhe sugerido que acabasse a leitura do mesmo para apresentar na aula. Foi hoje, e por sorteio, não é que calhou ser o Ricardo o contemplado? E então como tem queda para o teatro (tem a quem sair - gaba-te cesta - desde os avós até à mãe) pegou no seu jeito clownesco de comédia em pé, quer dizer, para se perceber melhor, stand up comedy, e apresentou o trabalho. Foi um êxito. Desde a professora aos colegas todos classificaram de muito bom o trabalho, o que fez com que o Ricardo exultasse de alegria, e os pais também. E eu, repito estou felicíssimo.

De vez em quando, vou almoçar com o meu colega e amigo Nelson Ferraz. Por vezes, junto do seu local de trabalho topamos com uma feira do livro. Há uns tempos, quando olhávamos para os livros expostos, o meu amigo chamou-me a atenção para Aventuras de João Sem Medo do José Gomes Ferreira, que salvo erro, tinha começado a reler, e para uma fantástica citação, que era a seguinte:

É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR

Expliquemos: O João era um rapaz "que vivia em Chora-Que-Logo-Bebes, exígua aldeia aninhada perto do Muro construído em redor da Floresta Branca onde os homens, perdidos dos enigmas da infância haviam instalado uma espécie de Parque de Reserva de Entes Fantásticos."
A floresta por trás do muro era -é - o sítio onde se instalaram os medos, os temores, os fantasmas (não serão estes também, medos? Fantasmas sem medo só conheço o Gaspar O Fantasminha) dos chora-que-logo-bebensses. Mas também as fantasias -há lá fadas, magos, árvores que andam e falam, e outros. Mas como medos e fantasias eram desconhecidas "dos infelizes chorincas que se lastimavam de manhã até à noite" ninguém tinha coragem sequer de espreitar por cima do muro, quanto mais de o ultrapassar para "combater bichos de sete bocas,gigantes de cinco braços ou dragões de duas goelas". Foi o que se propôs fazer, e assim fez, o nosso João, "farto de tanta choraminguice e de tanta miséria". E com tanta pressa o fez que nem leu o palavreado do letreiro até ao fim: É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR. E se houver alguém que não ande espantado de existir, e queira saber toda a história, é aconselhável que leia o romance. É o que eu vou fazer, reler o livro, do qual já não lembro muita coisa. Se o fizerem, que vos aproveite.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Lembrando António Aleixo


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e

d
e
s
e
n
h
o

é
da autoria de Tossan.
Hoje é dia de lembrar o poeta popular António Aleixo. Natural de Vila Real de Santo António, onde nasceu em 18/2/1899, veio a falecer em Loulé em 16 de Novembro de 1949.
Ninguém, estou certo, desconhecerá as suas quadras, por as ter lido ou ouvido cantadas.
Quem não conhece, por exemplo:
**
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério
**
ou
**
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão
**
De ascendência proletária - seus pais eram operários - embora homem humilde e simples, era semi-analfabeto, pois sabendo ler escrevia com muitos erros. A sua vida, foi uma vida de pobreza, mudanças de emprego, emigração (França), tragédias familiares e doenças. Foi tecelão, polícia, pedreiro, guardador de gado e por último cauteleiro. Cantava as suas quadras pela feiras e romarias, sendo por isso conhecido por poeta-cauteleiro. As vicissitudes porque passou, vieram a traduzir-se numa tuberculose, que o levou, na esperança de cura, até ao sanatório da Quinta dos Vales, em Coimbra, onde encontrou o seu conterrâneo Tossan (António Santos) que o havia apresentado ao dr. Armando Gonçalves, médico que conseguiu o seu internamento. Foi Tossan quem lhe foi corrigindo a escrita e que o incentivou a elevar a sua cultura pessoal. Foi o seu período mais fértil. Aqui nasceram os seus Autos: Auto do Curandeiro, Auto da Vida e da Morte e Auto do Ti Jaquim, que não terminou. Foi em Coimbra que conheceu o dr.. Joaquim Magalhães, que coligiu ,e organizou para publicação, as suas quadras. Em Coimbra conheceu e privou com alguns intelectuais, entre eles o Dr. Paulo Quintela, Miguel Torga, Joaquim Namorado, Deniz-Jacinto e Arquimedes da Silva Santos, seus admiradores. Esteve em Coimbra por duas vezes, mas não conseguiu vencer a doença, que já lhe havia roubado uma filha. Regressou a Loulé, onde veio a falecer.
Fiquemos com algumas quadras menos conhecidas:
++
Só desejo dar um beijo
no rosto duma mulher,
se for maior o desejo
do que o beijo que eu lhe der
++
Sem que o discurso eu pedisse,
ele falou; eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei.
++
Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro;
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.
++
Se o hábito faz o monge
e o mundo quer-se iludido,
que dirá quem vê de longe
um gatuno bem vestido?
++
Meu amor vê se te ajeitas
a usar meias modernas,
dessas meias que são feitas
da pele das próprias pernas.
++
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
++
Julgando um dever cumprir,
sem descer no meu critério,
digo verdades a rir
aos que me mentem a sério

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sabedoria

Folheando alguns alguns textos soltos, num acto de arrumação de papeis, encontrei um texto interessante, que não resisto a partilhar com os meus amigos carantonhas.

-"Um velho índio, certo dia, durante uma conversa, confessou os seus conflitos intimos.
- Dentro de mim existem dois cachorros; um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e dócil. Mas estão sempre a lutar.
Quando lhe perguntaram qual dos cachorros ganharia a luta, o velho sábio índio reflectiu e respondeu:
- Aquele que eu alimentar."

Comentários para quê! Uma tão curta resposta que encerra uma enorme lição de vida.

Preguiça


Voltei!! Eu sei que os quatro inefáveis carantonhas que me seguem já tinham estranhado a minha ausência. Também sei que eleições, novo governo, (talvez fosse mais aconselhável um governo novo, mas que lhe havemos de fazer!), corrupção, subornos de vária ordem, julgamentos que nunca mais acabam, outros que nunca mais se iniciam, assassinatos, enfim, o lote é demasiado extenso, tudo isso daria para as mais variadas abordagens aqui. Mas felizmente (já vão ver porque digo felizmente), nada disso me entusiasmou. Explico porquê: praí há um mês, passando por uma dessas feiras do livro que agora se fazem em qualquer canto, encontrei um livro fantástico. O livro objecto é um dois em um, quer dizer, são dois livros-texto, num só livro-objecto. A gente está a ler de um lado, e do outro, o texto está de pernas para o ar. Perceberam?
Perguntarão: E o que tem isso a ver com ausência tão prolongada? Tem tudo. É que de um lado (o que ando a ler devagar, devagarinho) o tema aborda um assunto que suponho caro a muita gente - O Direito à Preguiça. Do outro, por enquanto de pernas para o ar, A Arte da Sesta. E assim vou preguiçando e sestando. E embora saiba - eu, que tive educação católica, mas não pratico - que a preguiça é um pecado capital, tenho que aproveitar. Digam lá caríssimos se não tenho pelo menos duas razões para não vos aborrecer. Agora vou preguiçar mais um pouco pois a sesta já se foi.