quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

PARA TI



PARA TI


PARA TI, onde neste momento estiveres (eu sei –sinto - que estás por aqui, e é por te crer tão perto, que te escrevo). 
Sabes, hoje comecei a reler “Cartas a Sandra” (há já tanto tempo que o li) o último romance incompleto do teu p
rimo pelo lado paterno, Vergilio Ferreira. Vou gravá-lo para a Gaia Inclusiva- Biblioteca para cegos, da Biblioteca Municipal de Gaia.
E para ti, aqui fica um excerto de uma das cartas:
“(...) O amor é tão monótono, querida. Porque ele é o cimo sensível de uma imensidade de coisas que se esqueceram. Como falar desse mínimo que é o vértice de todo um mundo que o sustenta? Falar de nada, que é o todo nele? Sandra. Podia dizer o teu nome infinitamente na multiplicação do que nele me ressoa. E é assim o que mais me apetece, dizê-lo dizê-lo. E ouvir nele o maravilhoso que me abala todo o ser. Poderia escrever o teu nome ao longo do que escrevo e teria talvez dito tudo. Mas eu quero desse tudo dizer também o que aí se oculta. Dizer o meu enlevo e a razão de ele me existir. As tuas mãos nas minhas. O incrível miraculoso de eu dizer o teu rosto. O ardor de um meu dedo na tua pele. Na tua boca. O terrível dos meus dedos nos teus cabelos. O prazer horrível até à morte da minha entrada no teu corpo.”

P

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Já lá vão tantos anos...!


Em 1960 a RTP estava ainda na infância mas já tinha estúdios no Porto, onde eram gravados ou transmitidos directamente (mais estes do que aqueles) programas dee variedades e teatro. Vinham até realizadores e apresentadores (p.ex. Jorge Alves) de Lisboa, que alternavam com os realizadores do Porto (dr. Correia Alves). Mas eram também utilizados os serviços de habituais colaboradores dos programas de teatro ou variedades como no caso documentado nesta fotografia, em que a BELA MARIA fazia a apresentação de um programa de variedades. Note-se que o uso do teleponto era ainda incipiente, como se vê no exemplo da foto, com o texto escrito num cartão. Mas nem sempre havia teleponto. O texto (guião) era escrito e tinha que ser decorado. Ainda existe cá em casa um desses guiões. E já lá vão 52 anos.

domingo, 14 de outubro de 2012

Memória






O seu maior desejo era viver em paz consigo mesma e com os outros. Adorava o silêncio. O ruído, qualquer ruído, por mais leve que fosse, mesmo o bulício próprio da casa, a incomodavam. Começou a sentir que era um estorvo para os que a rodeavam, embora lhe fizéssemos sentir o contrário. Veio o cansaço e com ele o desejo de partir. Como ela dizia, partir para um sítio onde havia muita luz e nenhum ruído, mas que só ela sabia onde era. Sabíamos que num tempo mais ou menos próximo iríamos vê-la partir e ficar só com a sua ausência. E um dia, um tanto inesperadamente, mais cedo do que desejávamos, partiu. Hoje sabemos que chegou e onde está. Sabemos também, que finalmente está em paz consigo e com os outros. Costumamos comunicar com ela através das nossas recordações e das memórias que temos dela. E, querida Bela Maria, porque hoje faz seis meses que partiste, para mitigar a saudade que temos de ti, trago-te uma fotografia de uma peça de teatro que passou na RTP, no já longínquo dia 13 de Janeiro de 1961, em que contracenavas com o actor João Guedes.
Obrigado pelo tempo que estiveste connosco.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Fim de férias com poesia

Último dia de agosto, o mês tradicional de férias. Mês em que tradicionalmente se quer mar, água a gosto, sol para bronzear o corpo massacrado por um ano de trabalho. Agosto, mar, gaivotas, uma bebida fresca ao entardecer, música suave, e um poema de David Mourão-Ferreira


PARAÍSO

Deixa ficar comigo as madrugada
para que a luz do sol me não
constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um
posto,
onde eu ouça o estertor de uma
gaivota…
Crepite, em derredor, o mar de
Agosto…
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito…

Podes partir. De nada mais preciso
Para a minha ilusão do Paraíso.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Até sempre






Cumpriu-se ontem o teu último desejo, aqui na Costa Nova, onde também gostavas de estar. Era quase pôr-do-sol. Com mar tranquilo. Eu sei que naquele momento estavas connosco, por isso foi menos penoso. Finalmente descanças em paz. Até sempre.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Extinção? Refundação

A fazer fé no que li nos jornais e vi na televisão, ou muito me engano, ou a igreja católica vai brevemente extinguir-se, ou terá, inevitavelmente, de sofrer uma profunda remodelação. Ou então, alterar todos os seus códices e refundar-se.
- E porquê? Já que perguntaram, responderei:- Então não perdeu o corpo de deus e todos os santos?

sábado, 14 de abril de 2012

O momento já é de saudade

Chamava-se Bela Maria Dourado Ferreira Mendes. Era a Bela, a Bela Maria, até a Belinha. Sabiamos da(s) sua(s) fragilidade(s). Ela também. Sabiamos que estava cansada de viver. Não esperavamos é que tivesse resolvido partir tão cedo. Foi a MULHER que me "aturou" durante quarenta e cinco anos. "Deu-nos" um casal de filhos que amamos e três netos que adoramos. Mesmo na doença tentou sempre estar de bem com a vida, mas, de tanto lutar não resistiu ao chamamento e resolveu partir para a viagem sem retorno, hoje, manhã cedo. Sabemos que alcançou a paz que merecia. BEM HAJAS pelo que por nós fizeste enquanto estiveste connosco
Em sua memória aqui fica um poema de José Gomes Ferreira 

"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: «Fulano de Tal comunica ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio.»
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio. Adeus! Adeus!»
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes… (primeiro, os olhos… em seguida, os lábios… depois os cabelos…) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo… tão leve… tão subtil… tão pólen… como aquela nuvem além (vêem?) – nesta tarde de outono ainda tocada por um vento de lábios azuis…"


                                              

quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial da Poesia

Hoje é o Dia Mundial da Poesia. Aproveitê-mo-lo para ler um livro de poesia, ou mesmo só um poema, ou para assistir a uma qualquer sessão de poesia. Eu vou estar em Amarante na Biblioteca Municipal Albano Sardoeira  para participar na iniciativa "Letras e Poesia" com os alunos e familiares da Escola EB 2/3 de Amarante.

A poesia é uma casa cheia de versos onde moram os poetas
A poesia gosta de acordar cedo para ter tempo de se espreguiçar antes de ouvir a música dos pássaros.

TEMPO DE POESIA

Todo o tempo é de poesia.

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.

Todo o tempo é de poesia.

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos
à confusão da harmonia.

Poema de António Gedeão

segunda-feira, 5 de março de 2012

Corrigir a nossa História?

Há dias, o jornalista Manuel António Pina, na sua crónica diária no JN, esta com o título “Apague-se a História”, contava-nos que um procurador brasileiro quer que seja retirada do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a notação “cigano” no seu sentido pejorativo: “que, ou aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. Diz o procurador “por semear a intolerância étnica”. Diz-nos MAP que “é o método de recalcamento típico das hordas do política e linguisticamente correcto: matar o mensageiro quando ele dá notícia de acontecimentos que… não deveriam ter acontecido”. E então teria que chegar a vez dos dicionários, “enquanto não chega a descafeinização das línguas de todos os usos e sentidos preconceituosos que nelas se foram acumulando ao longo dos séculos”.
“A língua portuguesa, por exemplo, seria limpa do uso de “judeu” ou “escocês” no sentido de avarento, “judiarias” no sentido de maldades, ou ainda expressões como “trabalhar como um negro”, “trabalhar como um mouro”, “trabalhar como um galego”, “gozar como um preto”, etc…Isto é, seria limpar da sua História. E, já agora, porque não limpar a própria História dos factos feios e deixar só os bonitos e “correctos”?”
É aqui que estou em desacordo com MAP, pelo menos no que à nossa História diz respeito. Que em inúmeros factos e fastos está cheia de inexactidões, criadas no tempo dos quarenta e tal ano de obscurantismo que nos governou. Era preciso mostrar ao mundo que na nossa História não havia misérias, só grandezas. E então havia que “dourar” as histórias. Querem factos? Dois ou três. Temos aquela “santa” rainha que enquanto o seu marido-rei se dedicava a escrever cantigas de amigo “ai deus i u é”, dava umas escapadelas até junto do(s) escudeiro(s) para que este(s) a ajudassem na colheita das rosas. Ou então aquele nobre aio que de corda ao pescoço, se foi entregar, com a família, ao rei de Leão. A história não nos diz porquê. Mas nós sabemos. Ou a daquele outro “santo” que rezava, “borrado de medo”, atrás de um penedo enquanto a batalha decorria. Como estes, há muitos outros factos “adocicados” na nossa História. Seria bom que a História fosse refeita. Eu sei, eu sei, a confusão que isso iria causar! Fora isto, que nos valha São Pancrácio ou então Nossa Senhora das Coisas Impossíveis.

domingo, 4 de março de 2012

Deus(es)

Desde sempre o Homem se interrogou sobre a sua origem, sempre pensou que havia “algo”, “uma força”, “um ser superior” que o havia criado, que justificasse a sua existência. E então criou ele próprio, não uma, mas várias imagens de seres que justificassem as suas emoções, os seus sentimentos, as suas grandezas e as suas misérias, mas também a existência de tudo o que o rodeava. E assim nasceram os deuses Havia deuses para tudo. Que foram colocados no lugar ideal, o Olimpo Com o correr do tempo o Homem foi evoluindo e entendeu que era uma chatice pedir contas ou explicar-se perante tantos deuses. Achou que era uma trabalheira. E então pensou, pensou, e reuniu-os todos num só, que tivesse o poder de todos os outros que já existiam, e criou-O. Deu existência ao Ser Supremo, ao Todo Poderoso, um ser omnipresente (que tem o dom da ubiquidade), omnipotente (que tem todo o poder) e omnisciente (que tudo sabe). E chamou-lhe Deus e colocou-O no céu. E delegou Nele a responsabilidade de tudo. Até do caos que é o mundo actual. Ou não tivesse sido Ele o criador de Babel. Em suma, de vez em quando é preciso perdir-Lhe responsabilidades, Mas…


Responsabilidades

Gostava de deitar Deus no meu colo
e dar-lhe uns açoites no rabo.
Deus é uma criança malcriada.
Uma criança caprichosa que tem mais brinquedos
do que aqueles que pode usar.
Nós  somos apenas bonecos abandonados
aos quais o dono arrancou os braços.
Um jogo de estratégia em que as baixas não contam.

Gostava de pôr Deus de joelhos, virado para a parede,
pôr-lhe umas grandes orelhas de burro,
mandá-lo para a cama sem jantar,
obrigá-lo a escrever um milhão de vezes:
Tenho de ser responsável,
tenho de acabar os trabalhos.
Infelizmente Deus é apenas uma criança malcriada,
não se lhe podem pedir responsabilidades.
Deveria castigar-se era os pais,
os que o criaram

Jorge Espina
(A tradução é minha)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lembrar Josè Afonso

25 anos é muito tempo? Para algumas coisas parece que foi ontem. Para outras, se a lei do esquecimento não as varrer da memória, um quarto de século é já a saudade que nos morde. No caso de Zeca Afonso, o maior cantor de intervenção português, que nos deixou num  23 de Fevereiro de há 25 anos, é (foi) a memória colectiva que ficou(a) mais pobre. O Zeca foi um prolífico autor de canções, que musicou. Mas para alé disso escreveu muitos poemas que não musicou. Escreveu e musicou também poemas para peças de teatro da Barraca.
Aqui fica o registo de dois dos poemas não musicados:

«VENÂNCIO ERA COELHO»

Venâncio era coelho
Numa outra geração
Transmigrava de noite
De dia sucumbia
Quatro coisas Venâncio
Adorava fazer
Ver, comer, rogar pragas
Cortar as patas às moscas
Viaja sempre
Com apelidos falsos
Não declara
A bagagem que leva
Diz-se ministro
Papa
Boletineiro
Tem um metro e setenta
Não se importa
Que lhe mijem em cima

Atenção é vampiro

A PALAVRA

A palavra gatinha
Sem nada por cima
A palavra rompe
                              investe
                                          perfura
Comprida a palavra perde-se
Em redor da mesa reveste-se organiza-se

A palavra precisa de ternura

 O poema Epígrafe para a Arte de furtar, cantado pelo Zeca, é de Jorge de Sena.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Silêncio e tanta gente

"Silêncio e tanta gente" é, quanto a mim, uma das melhores canções da música portuguesa, pelo poema, porque de um poema se trata, e pela orquestração. Parece-me uma boa saída de domingo~e uma excelente preparação par o dia de trabalho de amanhã. Bom resto de domingo.

Ai as crianças

"Eles podem contar tudo o que querem de nós, a quem querem. Mesmo à nossa frente.
Nós, se dissermos alguma coisa é logo castigo"
In "Livro de reclamações das crianças" de Eduardo Sá

E depois digam que elas não avisam.
Fiquem-se com um texto poético de Gabriela Moura

RAIO DE MANIA

Era uma vez…

Começavam sempre assim as histórias que me contavam em criança.
De encantar, diziam…

- Bruxa gigante lobo mau e papão
- Caçador jogador e muito vilão.
De história em história, fui sentindo que me tinham andado a enganar quando descobri que no fim, quem comia sempre a princesa, era afinal o príncipe encantado, que ainda por cima lhe fazia muitos meninos e, além disso, também cedo percebi que afinal, nem sequer existia o bondoso pai natal!

Porque raio passamos a vida a enganar as criancinhas?



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

De volta

De volta, num novo ano a dar os primeiros passos,  ao convívio dos poucos carantonhas que habitualmente me seguem. E nada melhor do que começar falando de poesia. Fiquem então com o


MISTÉRIO DA POESIA

O poeta brasileiro, Mário Quintana, disse um dia que “fazer versos é fácil, escrever poesia é que é difícil”. Será então que o acto poético é fruto de algum mistério? António Gedeão, apesar de nos dizer que “todo o tempo é tempo de poesia”, terá julgado que sim, uma vez que termina o seu poema “Enquanto” com o verso ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA”. Mas isto serão os adultos/poetas a pensar, porque “as crianças, Senhor” não pensam do mesmo jeito. Vejamos o que nos diz a Maria Carlota, de 7 anos: “fazer versos é só imaginar coisas bonitas e já está”. Talvez seja por isso que Portugal é um país de poetas. Senão vejamos, como escreve o João Nuno, arcozelense de 9 anos:

Chamo-me João Nuno.
Poetas há milhões
Mas igual a mim
Só o Luís de Camões.

 Retirando algum exagero ao exagerado (passe o pleonasmo) entusiasmo do João Nuno, que hoje será um jovem entre os vinte e os trinta anos, e talvez, quem sabe, poeta, eu, como Fernando Pessoa, direi que sim, “o melhor do mundo são as crianças”. Quem como elas tem sensibilidade para nos dizerem coisas tão bonitas (que farão roer de inveja alguns poetas da nossa praça, pelo menos os que escrevem versos e não poemas), como “a poesia é feita aos molhinhos/ou em verso”. Ou ainda, “se eu não existisse ficava triste”. E esta pequena pérola, com que, como recompensa do amor de uma mãe, a sua filha de 7 anos, demonstra o seu amor de filha: “a minha mãe é um amor/que caiu do céu”. E nada melhor para terminar, do que este verso de uma Maria João, de 4 anos: “rimar é parecer”. E assim, pela boca das crianças, se define a poesia.