quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Federico Garcia Lorca (1898-1936)

Nascido numa pequena localidade da Andaluzia, Garcia Lorca, foi um dos maiores (arriscaria, sem receio de desmentido, dizer que foi o maior) poetas e dramaturgos espanhóis da primeira metade do séc. XX. Estudou Direito em Granada e Madrid, onde privou com Buñuel e Dali. Ali conheceu e privou com Rafael Alberti, Vicente Aleixandre, Luis Cernuda, Jorge Guillén, entre outros, que constituiram o grupo chamado de "Geração de 27". Viveu em em Cuba e nos Estados Unidos, tendo manifestado o seu desprezo pelo modus vivendi desta grande metrópole, com imagens chocantes, no magnífico poema Poeta em Nova Iorque. Na sua poesia aliam-se fantasticamente, todos os elementos da poesia e da alma espanhola. Aliás grande parte da sua obra, especialmente os seus primeiros trabalhos, versam temas relativos à música e ao folclore regionais.

Lorca, foi ainda um excelente pintor e desenhador, compositor e pianista. Fundou um teatro, La Barraca, onde a maioria das suas peças foram representadas. Bodas de Sangue, Yerma, A Casa de Bernarda Alba, bastam só por si, para demonstrar o grande dramaturgo que Lorca foi. Nunca escondeu as suas ideias socialistas. "Sempre serei partidário dos que nada têm", declarou em 1934. Foi certamente um dos mais visados pelo conservadorismo, que sob a influência da Igreja tentava a tomada do poder, dando origem à fratricida Guerra Civil Espanhola. Pelas suas ideias, diz-se, e porque seria "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver", (frase que ficou célebre) foi preso, fuzilado e atirado para a vala comum, em 19 de Agosto. No entanto, sabe-se hoje, que teria sido assassinado pelos esbirros fascistas, não pelas suas ideias, mas pelas suas tendências homossexuais. Lamentável. Sem comentários.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Bertold Brecht

Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem.

Bertold Brecht (10 de Fevereiro de 1898, Augsburg - 14 de Agosto de 1956, Berlim) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador do século XX. Influenciou profundamente o teatro contemporâneo, através dos seus trabalhos artísticos e teóricos, especialmente através da companhia que fundou, o Berliner Ensamble. Com o advento do nazismo e a eleição de Hitler em 1933, exila-se na Áustria, depois Suiça, outros países, até chegar aos Estados Unidos. Obras teatrais mais conhecidas: Mãe Coragem, A boa alma de Setzuan, A vida de Galileu, O círculo de Giz Caucasiano e Ópera dos Três Vinténs.

O "Ensina-me"

Quando era novo, mandei fazer numa tábua
A canivete e nanquim a figura dum velho
A coçar-se no peito por causa da sarna
Mas de olhar implorativo porque esperava que o ensinassem.
Uma segunda tábua para o outro canto do quarto,
Que devia representar um moço a ensiná-lo,
Nunca mais foi feita.

Quando era novo tinha a esperança
De encontrar um velho que se deixasse ensinar.
Quando for velho, espero
Que se encontre um moço e eu
Me deixe ensinar

Bertold Brecht, in "Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e Outros *Poemas", tradução do Dr. Paulo Quintela.

Para terminar, um texto de Brecht, que é a perfeita evocação da consciência política "O Analfabeto Político", de flagrante actualidade:

"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguer, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e enche o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política,nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais"

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Riam, que eu dou licença

As coisas sérias deviam ser levadas a sério. Mas, infelizmente, todos sabemos que há coisas sérias, que quando as vemos, as lemos, ou delas tomamos conhecimento, nos dão vontade de rir. É o caso de uma notícia que nos vem de Espanha, mais precisamente de Barcelona, e que lemos na edição on line do El Mundo. O ministro do Interior, Saura, quer que os agentes policiais obtenham o mais alto nível do controlo de qualidade.Para isso vai implantar um sistema de controlo de qualidade. Até aqui tudo aceitável. Mas vem aí um riso amarelo, pois o controlo inclui "um questionário de satisfação da pessoa detida". O questionário inclui perguntas do tipo: "Foi tratado com simpatia e cordialidade pelo agente que o deteve?". "Pôde ser visitado por todas as pessoas que pediu?". "Considera que as condições de higiene foram adequadas durante a sua detenção?". Até aqui, se o caro carantonha sorrir, ou rir, ninguém leva a mal. O que vem a seguir é de deixar o leitor de queixo caído, e quem sabe, desejar ser preso.Ora vejam: "Quer denunciar a pessoa que procedeu à sua detenção?". Não é um primor, digam lá!
Se a moda pega e começamos por cá a adoptar tais métodos, com a mania de copiar tudo e acrescentar mais qualquer coisinha, vai ser o bom e o bonito. Parece que já estou a ver o detido: "Psst, ó sôr agente, quero fazer xixi e preciso que venha comigo, pra me pegar na pilinha". Com esquadras e agentes a trabalhar assim vai ser uma delícia. Vá lá, sorriam, pelo menos.

Serviço com um sorriso

Verão. Férias. Leituras. Descanso. Conversas. E se no meio disto tudo tivermos ocasiões propícias ao riso, tanto melhor. A pequena história que vou deixar aqui aos meus leitores carantonhas, cabe no conceito do riso. Roubei-a ao pequeno livro "Canja de galinha para a alma" da Lyon Edições. Resolvi trazê-la aqui na sua versão integral, passada nos EEUU, uma vez que anda aí pela net em versões deturpadas. Até já a li como sendo passada num hotel do Porto.
Com permissão dos autores, Karl Albrecht e Ron Zenke, ela aqui fica.

"Um homem escreveu uma carta a um hotel de uma cidade do Midwest, que planeava visitar nas férias. Escreveu:

Gostaria muito de levar o meu cão comigo. Está bem treinado e porta-se muito bem. Deixam que ele fique comigo no quarto, de noite?

A resposta do dono do hotel veio depressa e era a seguinte:

Exploro este hotel há muitos anos. Durante todo este tempo, nunca vi um cão roubar toalhas, roupa de cama, talheres ou quadros. Nunca tive de chamar a atenção a um cão, a meio da noite, por estar bêbado e a causar distúrbios. E nunca tive um cão que saísse do hotel sem pagar a conta.
Claro que o seu cão é bem vindo ao meu hotel. E, se o seu cão se responsabilizar por si, também será bem vindo."

Divirtam-se.

sábado, 8 de agosto de 2009

Os que lutam

Estava a pesquisar textos para encontrar um monólogo que pudesse ajudar uma jovem, que vai candidatar-se a uma escola de teatro, e apareceu-me na frente este pequeno poema de Bertold Brecht, que resolvi partilhar com os meus amigos carantonhas.

OS QUE LUTAM

Há aqueles que lutam um dia;
e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias;
e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos;
e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida;
esses são os imprescindíveis.

RAUL SOLNADO (1929-2009)

Óleo sobre tela - Autor: Maluda, 1966

Telegrama do céu: "S. Pedro, triste. Solicitamos ajuda"
E Raúl partiu. Está quase mesmo a chegar. Força, pa. Faz com que S. Pedro se mije de riso.
Até sempre, Raúl.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A gaivota e o gato

Hoje (ontem), quarta-feira, quase na fronteira temporal que separa o hoje do ontem, percorria a Rua das Flores em direcção ao Púcaros, nas arcadas de Miragaia. Mais ou menos a meio da rua, junto de um dos muitos ecopontos que por ali existem deparei com um quadro que em circunstâncias normais poderia considerar insólito. De facto, ver um gato (e como ele era bonito!) junto a uma gaivota (gorda, elegante) esperando que uma velhinha despejasse o lixo para poderem aproveitar algo comestível, noutros tempos seria impensável. Mas hoje, com as gaivotas, diria, socializadas, pela força das circunstâncias, isto é, por falta de alimento no mar ou no rio que passa próximo, não é de espantar. E ali fiquei um instante observando o afã da espera, ouvindo ainda da simpática velhinha um "coitadinha, ainda é atropelada, ainda no outro dia...". Segui depois o meu caminho e dei por mim a pensar num excelente livro que levei para férias com a intenção de o reler, o que não aconteceu. Mas vai acontecer. Falo do livro de Luis Sepúlveda "História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar". Leitura que recomendo vivamente aos meus amigos carantonhas pelo seu carácter pedagógico, pelas sua lição de vida, de amor e companheirismo. Verão que vão gostar da Ditosa, do Zorbas (0 nosso herói), do Colonello, do Barlavento (0 gato de mar), tanto como o meu gato Nico gostou.

Nunca mais...




Faz hoje 64 anos que se cometeu deliberadamente um dos maiores crimes contra a Humanidade. Aconteceu no final da II Grande Guerra, no Japão, em Hiroshima, onde foi lançada a primeira bomba atómica de que há memória, de seu nome "Litle Boy", nome fantástico para tal monstro de morte. O gesto ignomínioso foi ordenado pelo presidente americano, Truman. Três dias depois, 9 de Agosto, o alvo escolhido foi Nagasaki. A escolha destas duas cidades teve um cunho politico e económico, uma vez que eram as regiões mais desenvolvidas do Japão. Estima-se que tenha havido, aproximadamente, duzentas mil vitimas mortais. Historicamente, estes são até agora (e espera-se que nunca mais) os únicos ataques em que foram utilizadas armas nucleares. Mas nunca se sabe, pois o Homem (devia ser com letra pequena, mas fica o benefício da dúvida) não tem vergonha, mas sim uma grande falta de respeito pelo seu semelhante. Veja-se os crimes mais recentes contra a humanidade. Era bom que todos pusessemos a mão consciência e dissemos a uma só voz "Nunca mais".


HORA H

A Primavera cheira a laranjas.

(Há umas granadas de mão, redondas, e pequenas, a que chamam laranjas.)

O cheiro das laranjas enche a noite luarenta de mistérios.

(Dizem que as noites de luar são as melhores para bombardeamentos aéreos)



POEMA DA MORTE NA ESTRADA

Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.

A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo para fechar os olhos.

Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.

Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.

Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só momento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.

Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.

Os dois poemas acima são de António Gedeão, do livro Linhas de Força


A ROSA DE HIROXIMA

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexactas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioactiva
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atómica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

Vinicius de Moraes

domingo, 2 de agosto de 2009

Tributo a José Afonso

Se fosse vivo, José Afonso faria hoje 80 anos. Por certo continuaria a cantar, mas talvez já não com a pujança de outrora. Talvez também já não com a mesma perseverança e a mesma convicção. Talvez desiludido com o rumo que tomou a liberdade que ele sempre buscou. Talvez, talvez… Nunca o saberemos. Mas poderemos com toda a certeza afirmar, que José Afonso foi um dos cantores de intervenção (se não o único) que mais marcaram a segunda metade do séc. XX. Ele, que viveu uma quase guerra com o fascismo, por ser um homem de pensamento livre, e que pouco sabia de composição, dois ou três tons, escreveu das mais fortes e interventivas canções de protesto que incomodaram o regime, e ajudaram a derrubá-lo. Nasceu em Aveiro (de onde saiu com 2 anos), cidade que quase o renegou, e que só há poucos anos, depois de muita politiquice (lá tinha a porca da política,- ou os políticos porcos -, de meter a foice em seara alheia), atribuiu o seu nome a uma escola. Dá que pensar de uma cidade onde se realizaram o Congresso Republicano de 1957 e três Congressos da Oposição Democrática, o último dos quais em Abril de 1973, e que também resistiu a atribuir a uma outra escola o nome de um aveirense ilustre, Mário Sacramento, um dos maiores vultos do pensamento português. Só os que pensam pequeno agem assim. Felizmente José Afonso pensava grande e por isso vai ficar na história. Vou deixar aqui alguns dos poemas que o Zeca escreveu e nunca musicou. Oxalá, carantonhas, vos sirvam.


OLHAI O NARDO E A CICUTA DOMADORES


Olhai o nardo e a cicuta
Domadores
Em todos os trapos e bandeiras
Se edificam sonhos absurdos
E Impérios

Se os meus ossos te consentirem
Se os meus ombros se vergarem
Eu te darei minha anuência
lúgubre
Como um silêncio sem fronteiras
Homens que dobrariam cavalos
se não dobrassem homens
Que edificariam países e rios
Mas nem vontades mataram

A morte espera-vos
Na justiça dos tempos.

“VENÃNCIO ERA COELHO”

Venâncio era coelho
Numa outra geração
Transmigrava de noite
De dia sucumbia
Quatro coisas Venâncio
Adorava fazer
Ver, comer, rogar pragas
Cortar as patas às moscas
Viaja sempre
Com apelidos falsos
Não declara
A bagagem que leva
Diz-se ministro
Papa
Boletineiro
Tem um metro e setenta
Não se importa
Que lhe mijem em cima

Atenção é vampiro

ISTO É SONO

Isto é sono
Tenho sono
Tenho saudades do vento
do poço
do catavento
da estrada de Santiago
Tenho montanhas de trapos
que são guisos
que são sapos
Tenho de tudo cautela
da minha infância calada
do velho
da nuvem branca
da janela
do romeiro
do tinteiro
da verruma.

Tenho saudades da espuma

sábado, 1 de agosto de 2009

Carta a uma senhora da Justiça


Cara senhora

Há já uns dias, vi num jornal diário, a sua fotografia ilustrando uma resposta a um inquérito de rua. Apesar de poder considerá-la bonita, não foi a fotografia que me chamou a atenção, mas sim a profissão e a idade. Juíza, 29 anos. 29 anos? Juíza? Aqui, os bichinhos da cabeça começaram a fazer rolar as esferas (se eu fosse máquina, mesmo máquina, diria os rolamentos) do pensamento e… espera lá!, juíza, 29 anos? Inevitavelmente as esferas levaram-me até à proximidade do estado calamitoso da justiça no nosso país. Não é que em primeira instância a senhora seja directamente culpada desse mesmo estado, mas mais dia, menos dia, será tão culpada como aqueles que possíbilitaram que aos 29 anos seja juíza. Com isto, não quero menosprezar a sua inteligência, o esforço e o apego ao estudo para chegar aí. Mas…
Há sempre um mas, não é? Vejamos. Curso acabado aos 21, 22 anos, estágio, exame para poder exercer, entrada para o curso de alguns anos do Centro de Estudos Judiciários, e enfim juíza. Até chegar aqui quantos casos advogou, quantas defesas, quantas acusações? Quanta experiência acumulada? Quantos desempenhos de juízes(as) observou?
Qual o seu amadurecimento para exercer a profissão de juiz? Qual a sua experiência de vida que lhe possibilite ter nas mãos os destinos de alguém?
Poderia continuar a fazer perguntas, a algumas das quais saberia responder, e a tecer considerações que teria capacidade para rebater.
Mas fico-me por aqui esperando que compreenda que não a quis atingir pessoalmente, mas sim ao sistema que permite que seja juíza aos 29 anos. Aqui chegado, lembrei-me de Almada Negreiros e do seu Manifesto Anti-Dantas. Diz-lhe alguma coisa? Se o aplicar à Justiça…
Espero que não me julgue, quer dizer, não julgue desfavoravelmente o que escrevi.

Se me permite, cara senhora, terminarei com um poema dee Sidónio Muralha, em louvor de todos aqueles que ainda acreditam que a justiça há-de arrancar a venda dos olhos e tornar-se mais justa e equitativa. Até sempre, se possível com melhor justiça.


PARA VÓS O MEU CANTO


Para vós o meu canto companheiros de vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem acidez nos desertos;
vós, que modificais o leito de um rio;


- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim : e confio;

- para vós os meus versos, companheiros de vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios para cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...
Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juizo...
Que o Dia do Juízo
não é no céu... é na Terra!