Mário Benedetti, foi (é) um romancista, cronista, ensaísta e dramaturgo uruguaio, nascido em Montevideu. Foi um poeta de compromisso e cronista de sentimentos. Essencialmente os seus poemas mostram o compromisso social e a coerência de alguém que acreditou "na vida e no amor, na ética e em todas essas coisas tão fora de moda". As suas obras fizeram eco da angústia e da esperança de amplos sectores sociais, para encontrar saídas socialistas para uma América Latina subjugada pela repressão militar. Uma das obras mais conhecidas da sua dramatúrgia, Pedro e o Capitão, mostra-nos esse lado do seu combate contra a tirania e a repressão, lado que o levou a exilar-se durante a ditadura uruguaia. Morreu aos 88 anos, no último domingo.
MUDANÇA
Deus morrerá de velho
magoado e desgostoso
triste por não poder encomendar-se
a deus.
DESPERTA AMOR
Bonjour buon giorno guten morgen
desperta amor e toma nota
só no terceiro mundo
morrem quarenta mil crianças por dia
no plácido céu desanuviado
pairam os bombardeiros e os abutres
quatro milhões têm sida
a cobiça desvasta a amazónia
buenos dias good morning desperta
nos ordenadores da avó onu
não cabem mais cadáveres do ruanda
os fundamentalistas degolam os estrangeiros
prega o papa contra o preservativo
havelange estrangula maradona
bonjour monsieur le maire
forza itália buon giorno
guten morgen ernst junger
opus dei buenos dias
good morning hiroshima
desperta amor
que o horror amanhece.
Poemas traduzidos por Amílcar Mendes
Carantonha- s.f.-contorsão do rosto, esgar, máscara, cara feia, carranca, caraça. * Em criança, na região de onde sou natural, e onde então vivia, quando se brincava ao carnaval, o artefacto que nos ocultava o rosto, era a carantonha porque por norma era coisa feia. O tempo passa, a evolução acontece, e hoje, pelo menos quando jogamos ao carnaval, usamos uma máscara. Ou será que não a usamos todos os dias?
terça-feira, 19 de maio de 2009
domingo, 17 de maio de 2009
Vale tudo, menos tirar olhos
"Vale tudo, menos tirar olhos" - Expressão utilizada quando se pretende resolver determinado assunto, usando tanto meios lícitos como ilícitos.
Voltando a São Pancrácio, desconhecia mesmo que existisse santo com tal nome. O que eu conhecia era o substantivo pancrácio, de origem popular, e com o significado de pateta, idiota, simplório, hoje practicamente caída em desuso, pelo menos nos grandes centros populacionais.
Mas vim a descobrir também um outro significado (bendita Enciclopédia Lello) para a palavra.
Pancrácio, do grego pan (todos) e Kratos (poder), que quer dizer, mais ou menos,"tudo é permitido na força".
O pancrácio era uma luta violenta, mistura de boxe e luta livre, pontapés, estrangulamentos, considerada uma das modalidades mais populares da Antiguidade, e servia de treino aos soldados gregos. Chegou a fazer parte dos Jogos Olímpicos em 648 a.C., sendo anos depois excluída, devido à sua brutalidade. Esta luta, em que os contendores se apresentavam nus, não tinha limite de tempo, e só terminava quando um dos lutadores se rendia, ou mesmo morria, o que não era raro. Na Megapólis de Atenas foi considerada ilegal pelo perfeito Egeu, devido a pressões dos grupos conservadores da cidade, por segundo eles, ser extremamente violenta e exercer uma má influência na juventude. Sabe-se que foi esta luta que deu origem aos actuais boxe, wrestling, vale tudo e outras lutas aparentadas. Apesar de ser uma luta considerada sem regras, tinha algumas: era proibido morder, arranhar, golpear a genitália (para quem não sabe, "as partes baixas") e sobretudo, tirar olhos. Talvez, quem sabe, venha dessa última proíbição a expressão "vale tudo, menos tirar olhos".
Uff, que fiquei cansado com esta luta. Valha-me, ao menos, São Pancrácio!
(a todos esses jovens que ao sol e à chuva, num campo, durante horas inteiras, - quase nús, cultivam com uma formosa animalidade inconsciente, a alegria muscular na destreza dos desafios.)- António Botto
Manhã de luz penetrante.
O sinal dando início à Maratona
É dado
Pela voz d'oiro
De Píndaro - o imortal.
E aqueles corpos
De gentilíssimo talhe
E sóbria musculatura
- Carne divina
Sem a mácula do abraço feminino
Que a torna
Doente, sacrificada -
Arrancam!, - e lá vão cobrindo sulcos
Na areia fina e molhada.
De entre tantos,
P'la graça dos movimentos,
Nervoso, ágil, delgado,
Um moço alto
Cativa o meu olhar deslumbrado!
Silêncio. Ele? - Foi ele!...
Rosas vermelhas e frescas
Engrinaldam
A fronte lisa do herói.
Braços de mulher o envolvem?
E na minha alma de artista
Uma trágica certeza
Mais me entristece e me dói.
António Botto in As Canções de António Botto
Voltando a São Pancrácio, desconhecia mesmo que existisse santo com tal nome. O que eu conhecia era o substantivo pancrácio, de origem popular, e com o significado de pateta, idiota, simplório, hoje practicamente caída em desuso, pelo menos nos grandes centros populacionais.
Mas vim a descobrir também um outro significado (bendita Enciclopédia Lello) para a palavra.
Pancrácio, do grego pan (todos) e Kratos (poder), que quer dizer, mais ou menos,"tudo é permitido na força".
O pancrácio era uma luta violenta, mistura de boxe e luta livre, pontapés, estrangulamentos, considerada uma das modalidades mais populares da Antiguidade, e servia de treino aos soldados gregos. Chegou a fazer parte dos Jogos Olímpicos em 648 a.C., sendo anos depois excluída, devido à sua brutalidade. Esta luta, em que os contendores se apresentavam nus, não tinha limite de tempo, e só terminava quando um dos lutadores se rendia, ou mesmo morria, o que não era raro. Na Megapólis de Atenas foi considerada ilegal pelo perfeito Egeu, devido a pressões dos grupos conservadores da cidade, por segundo eles, ser extremamente violenta e exercer uma má influência na juventude. Sabe-se que foi esta luta que deu origem aos actuais boxe, wrestling, vale tudo e outras lutas aparentadas. Apesar de ser uma luta considerada sem regras, tinha algumas: era proibido morder, arranhar, golpear a genitália (para quem não sabe, "as partes baixas") e sobretudo, tirar olhos. Talvez, quem sabe, venha dessa última proíbição a expressão "vale tudo, menos tirar olhos".
Uff, que fiquei cansado com esta luta. Valha-me, ao menos, São Pancrácio!
(a todos esses jovens que ao sol e à chuva, num campo, durante horas inteiras, - quase nús, cultivam com uma formosa animalidade inconsciente, a alegria muscular na destreza dos desafios.)- António Botto
Manhã de luz penetrante.
O sinal dando início à Maratona
É dado
Pela voz d'oiro
De Píndaro - o imortal.
E aqueles corpos
De gentilíssimo talhe
E sóbria musculatura
- Carne divina
Sem a mácula do abraço feminino
Que a torna
Doente, sacrificada -
Arrancam!, - e lá vão cobrindo sulcos
Na areia fina e molhada.
De entre tantos,
P'la graça dos movimentos,
Nervoso, ágil, delgado,
Um moço alto
Cativa o meu olhar deslumbrado!
Silêncio. Ele? - Foi ele!...
Rosas vermelhas e frescas
Engrinaldam
A fronte lisa do herói.
Braços de mulher o envolvem?
E na minha alma de artista
Uma trágica certeza
Mais me entristece e me dói.
António Botto in As Canções de António Botto
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sexta-feira, 15 de maio de 2009
São rosas, senhor!
Diz-se que Maio é o mês das rosas. Será mais, talvez, o mês das flores. Procurei e não encontrei nada que sustentasse essa afirmação. Foi também em Maio, segundo a lenda, que, no regaço de D.Isabel de Aragão, o pão se transformou em rosas, diante de El-Rei D. Dinis. Mas vamos acreditar que sim, que Maio é o mês das rosas, e por isso aqui deixo alguns poemas e um texto que nos falam, ou em que se fala de rosas. Que vos aproveitem.
FOI PARA TI QUE CRIEI AS ROSAS
Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
o corpo aberto como os animais
Eugénio de Andrade, «As mãos e os Frutos» in Poesia, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2005, 2.ª ed.
CANTIGA
Flor verde, na botoeira,
Rosa verde - que magia!
A luz desmaia no verde
Da rosa da botoeira...
Rosa verde, poesia!
E o poeta traz a alma
Toda à mostra, pela rua,
Não sei o quê em o dia...
Anda na brisa um desmaio...
Um vago e fresco desmaio...
E a luz desmaia no verde
Da rosa da poesia.
Cristovam Pavia, Poesia
ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexactas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioactiva
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atomica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada
Vinicius de Moraes
POEMA PARA O MEU AMOR DOENTE
Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
Eugénio de Andrade, Poesia, Porto,Fundação Eugénio de Andrade, 2005, 2.ª ed.
O PRINCIPE E A ROSA
[...] O principezinho foi ver outra vez as rosas.- Vós não sois nada parecidas com a minha rosa; ainda não sois nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou, nem vós cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Não passava de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas fiz dela minha amiga e agora é única no mundo.E as rosas ficaram bastante aborrecidas.- Vós sois belas, mas vazias, disse-lhes mais. Ninguém vai morrer por vós. É certo que, quanto à minha rosa, qualquer vulgar transeunte julgará que ela se vos assemelha. Mas, sozinha, ela vale mais do que vós todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi ela que pus numa redoma. Porque foi ela que abriguei com um biombo. Porque foi por causa dela que matei as lagartas (excepto duas ou três para as borboletas). Porque foi ela e só ela que ouvi lamentar-se ou gabar-se, ou mesmo, por vezes, calar-se. Porque é a minha rosa. [...]
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho,Lisboa, Editorial Aster, Trad. de Alice Gomes, 4.ª ed., s/d
NOTA Algumas palavras v\ao sem acentos. Tambem nao ha tra;os, pontos, etc. porque o PC asneou. Humildes desculpas aos carantonhas.
FOI PARA TI QUE CRIEI AS ROSAS
Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
o corpo aberto como os animais
Eugénio de Andrade, «As mãos e os Frutos» in Poesia, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2005, 2.ª ed.
CANTIGA
Flor verde, na botoeira,
Rosa verde - que magia!
A luz desmaia no verde
Da rosa da botoeira...
Rosa verde, poesia!
E o poeta traz a alma
Toda à mostra, pela rua,
Não sei o quê em o dia...
Anda na brisa um desmaio...
Um vago e fresco desmaio...
E a luz desmaia no verde
Da rosa da poesia.
Cristovam Pavia, Poesia
ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexactas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioactiva
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atomica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada
Vinicius de Moraes
POEMA PARA O MEU AMOR DOENTE
Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.
Eugénio de Andrade, Poesia, Porto,Fundação Eugénio de Andrade, 2005, 2.ª ed.
O PRINCIPE E A ROSA
[...] O principezinho foi ver outra vez as rosas.- Vós não sois nada parecidas com a minha rosa; ainda não sois nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou, nem vós cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Não passava de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas fiz dela minha amiga e agora é única no mundo.E as rosas ficaram bastante aborrecidas.- Vós sois belas, mas vazias, disse-lhes mais. Ninguém vai morrer por vós. É certo que, quanto à minha rosa, qualquer vulgar transeunte julgará que ela se vos assemelha. Mas, sozinha, ela vale mais do que vós todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi ela que pus numa redoma. Porque foi ela que abriguei com um biombo. Porque foi por causa dela que matei as lagartas (excepto duas ou três para as borboletas). Porque foi ela e só ela que ouvi lamentar-se ou gabar-se, ou mesmo, por vezes, calar-se. Porque é a minha rosa. [...]
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho,Lisboa, Editorial Aster, Trad. de Alice Gomes, 4.ª ed., s/d
NOTA Algumas palavras v\ao sem acentos. Tambem nao ha tra;os, pontos, etc. porque o PC asneou. Humildes desculpas aos carantonhas.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
De mãos dadas
De mãos dadas podemos não mudar o mundo, mas podemos obrigá-lo a portar-se melhor.
Caras(os) Carantonhas,
É tempo de vos agradecer o gesto simpático de passarem cá pelo blog. Até ao momento não sei quantos passaram, porque vá-se lá saber porquê o contador desactivou-se, mas isso é o que menos importa. Quando o blog foi criado, foi-o também com o espírito de partilha. Portanto, não precisam de pedir desculpa por passarem por cá. Sintam-se em casa, ainda que os assuntos aqui tratados sejam banais, e a qualidade literária possa não ser a que esperavam. Mas... Há sempre um mas, não é? Gostava que comentassem, ainda que criticando, o que aqui escrevo, porque estou certo que isso seria uma maneira de os assuntos e a escrita evoluírem. É que reparo que os comentários incidem sobre os comentários de quem já comentou. Desculpem lá a redundância.
Quanto ao anonimato estamos conversados. Há três hipóteses de publicar o comentário. Usem as outras duas e identifiquem-se, porque aqui ninguém se zanga com ninguém. Eu sei, eu sei que corremos o risco de o Zé ou o Jonas se identificarem como Jacinto Leite Capelo Rego, José Sócrates ou Cavaco Silva. Paciência! Prontos. É assim que se diz em linguagem modernaça, não é? Cá o cota também diz, carago. O blog está por aqui. Com a urbanidade de que eu sei que são capazes, usem-no, critiquem, critiquem-se, "piquem-se", namorem, troquem impressões, estejam à vontade.
Ai meu rico São Pancrácio, no que eu me fui meter! Seja o que os(as) carantonhas quiserem. Tenho dito.
Caras(os) Carantonhas,
É tempo de vos agradecer o gesto simpático de passarem cá pelo blog. Até ao momento não sei quantos passaram, porque vá-se lá saber porquê o contador desactivou-se, mas isso é o que menos importa. Quando o blog foi criado, foi-o também com o espírito de partilha. Portanto, não precisam de pedir desculpa por passarem por cá. Sintam-se em casa, ainda que os assuntos aqui tratados sejam banais, e a qualidade literária possa não ser a que esperavam. Mas... Há sempre um mas, não é? Gostava que comentassem, ainda que criticando, o que aqui escrevo, porque estou certo que isso seria uma maneira de os assuntos e a escrita evoluírem. É que reparo que os comentários incidem sobre os comentários de quem já comentou. Desculpem lá a redundância.
Quanto ao anonimato estamos conversados. Há três hipóteses de publicar o comentário. Usem as outras duas e identifiquem-se, porque aqui ninguém se zanga com ninguém. Eu sei, eu sei que corremos o risco de o Zé ou o Jonas se identificarem como Jacinto Leite Capelo Rego, José Sócrates ou Cavaco Silva. Paciência! Prontos. É assim que se diz em linguagem modernaça, não é? Cá o cota também diz, carago. O blog está por aqui. Com a urbanidade de que eu sei que são capazes, usem-no, critiquem, critiquem-se, "piquem-se", namorem, troquem impressões, estejam à vontade.
Ai meu rico São Pancrácio, no que eu me fui meter! Seja o que os(as) carantonhas quiserem. Tenho dito.
terça-feira, 12 de maio de 2009
Manuel Alegre
Imagem "roubada" a sergeicartoons.com
Manuel Alegre é, para mim, um dos maiores poetas portugueses, senão o maior, a partir da segunda metade do séc. XX. Já Mário Sacramento dizia, referindo-se ao seu livro de estreia, que havia nascido o maior poeta do neo-realismo português. Chegou mesmo a compará-lo a Camões referindo o lado epopeico da sua poesia.
Manuel Alegre faz anos hoje.
Manuel Alegre de Melo Duarte, nasceu em Águeda a 12 de Maio de 1936. Estudou no Porto, em Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi campeão de natação e fez teatro no TEUC (Teatro dos Estudantes da Univ. Coimbra). Em 1961 foi mobilizado para Angola, onde participa num movimento de resistência no interior das Forças Armadas e numa tentativa de revolta militar.Preso pela PIDE, passa seis meses na Fortaleza de S. Paulo de Luanda, onde escreve grande parte dos poemas do seu primeiro livro, Praça da Canção. Em 1963 voltou a Coimbra, mas porque continuou a ser perseguido, entra na clandestinidade, e é eleito membro do comité nacional da Frente de Libertação Nacional e passa a trabalhar em Argel na emissora "Voz da Liberdade". Regressou a Portugal após o 25 de Abril. Escreve entre outros, Praça da Canção, O Canto e as Armas, Livro do Português Errante, Senhora das Tempestades, todos poesia; Alma, Terceira Rosa (romance); O Homem do País Azul, contos e Cão Como Nós, novela.
(Notas biográficas in O Quadrado (contos), edição Dom Quixote)
O seu livro de estreia, Praça da Canção, começa com um belíssimo texto,poema em prosa, Rosas Vermelhas.
É desse texto que vamos transcrever alguns excertos, uma vez que é algo extenso.
Rosas Vermelhas
"Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz das rosas a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
Nesse tempo o sol nascia exactamente no meu quarto. (...) Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. (...) E tudo estava certo, nesse tempo, ou pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. (...) Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sonho, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:
-Mãe!
E logo essa voz tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, (...)
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o meu sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? (...)
Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só (...) era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada (...) era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura (...)
Os fantasmas tinham entrado no meu sono (...) os fantasmas eram donos do país. E se eles viessem de repente, a meio da noite e eu chamasse:
-Mãe!
a voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. (...) Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto. No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez - quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela."
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São Pancrácio
Algumas vezes, nos meus postais, costumo usar a expressão “valha-me São Pancrácio” ou “valha-nos São Pancrácio”, como outros costumam dizer “Valha-nos Deus” ou “Valha-nos Nossa Senhora” ou evocam S. João ou S. Judas Tadeu. Porque nunca me passou pela cabeça que tal santo existisse na agiologia dos santos. E não é que vim a descobrir que São Pancrácio existe mesmo!? Dizem-me que é o santo padroeiro do trabalho e da saúde, e que o seu dia é hoje, 12 de Maio.
Nasceu em Roma e foi baptizado aos 14 anos. Diz a tradição que era senador em Roma e um respeitado membro da corte do Imperador Diocleciano. Quando em 303 Diocleciano ordenou que os cristãos fossem perseguidos, ele arranjou uma maneira de esconder os cristãos, mas também escondeu a sua fé. Um dia recebeu da sua mãe e da sua irmã uma carta que o encorajava a revelar a sua fé. Então apresentou-se ao imperador e confessou-se cristão. Foi preso e martirizado para renegar a sua fé. Naquela época o martírio consistia em esmagar os ossos do braço, joelhos e pés, em prensas de madeira. Como não renegasse, foi decapitado em 304 DC.
A partir de hoje vou evocar o santo com mais convicção. Tenho dito.
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segunda-feira, 11 de maio de 2009
Azul, azul, mais azul não há
Um pouco mais de sol - eu era brasa
Um pouco mais de azul - eu era além
(...)
Mário de Sá-Carneiro
A s nuvens são brancas
O céu é azulão
Que bonito é o Estádio do Dragão
Amílcar Mendes
Cá em em casa continua a ser tudo azul. E vai continuar a ser enquanto o espírito portuense e portista for inspirado pelo seguinte poema de Pedro Homem de Mello:
Dúvida? Não. Mas luz, realidade
E sonho que na luta amadurece
- O de tornar maior esta cidade.
Eis o desejo que traduz a prece.
Só quem não sente o ardor da juventude
Poderá vê-la, de olhos descuidados.
Porto - palavra exacta.l Nunca ilude.
Renasce, nela, a Ala dos Namorados!
Deram tudo por nós estes atletas.
Seu trajo tem a cor das próprias veias
E a brancura das asas dos poetas...
Ó fé de que andam nossas almas cheias!
Não há derrotas quando é firme o passo.
Ninguém fala em perder! Ninguém recua...
E a mocidade invicta em cada abraço
a si mais nos estreita. A Pátria é sua.
E, de hora a hora, cresce o baluarte!
Lembro a Torre dos Clérigos, às vezes...
Um anjo dá sinal quando ele parte...
São sempre heróis! São sempre portugueses!
E, azul e branca, essa bandeira avança...
Azul, branca, indomável, imortal.
Como não pôr no Porto uma esperança
Se "Daqui Houve Nome Portugal"
Um pouco mais de azul - eu era além
(...)
Mário de Sá-Carneiro
A s nuvens são brancas
O céu é azulão
Que bonito é o Estádio do Dragão
Amílcar Mendes
Cá em em casa continua a ser tudo azul. E vai continuar a ser enquanto o espírito portuense e portista for inspirado pelo seguinte poema de Pedro Homem de Mello:
Dúvida? Não. Mas luz, realidade
E sonho que na luta amadurece
- O de tornar maior esta cidade.
Eis o desejo que traduz a prece.
Só quem não sente o ardor da juventude
Poderá vê-la, de olhos descuidados.
Porto - palavra exacta.l Nunca ilude.
Renasce, nela, a Ala dos Namorados!
Deram tudo por nós estes atletas.
Seu trajo tem a cor das próprias veias
E a brancura das asas dos poetas...
Ó fé de que andam nossas almas cheias!
Não há derrotas quando é firme o passo.
Ninguém fala em perder! Ninguém recua...
E a mocidade invicta em cada abraço
a si mais nos estreita. A Pátria é sua.
E, de hora a hora, cresce o baluarte!
Lembro a Torre dos Clérigos, às vezes...
Um anjo dá sinal quando ele parte...
São sempre heróis! São sempre portugueses!
E, azul e branca, essa bandeira avança...
Azul, branca, indomável, imortal.
Como não pôr no Porto uma esperança
Se "Daqui Houve Nome Portugal"
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Cidade do Porto,
F.C.Porto,
Pedro Homem de Mello
Hoje é tudo azul
Ó sub-alimentados do sonho
Ó roídos de inveja, calai-vos e sereis perdoados
Ó roídos de inveja, calai-vos e sereis perdoados
O poeta Manuel Alegre escreveu um belíssimo poema com o título Letra para um Hino, que começa assim:
Com mãos se faz a paz se faz a guerra
Para mim, que admiro o poeta, lamento dizer que hino mais belo que o que se segue, não há.
Com mãos se faz a paz se faz a guerra
Para mim, que admiro o poeta, lamento dizer que hino mais belo que o que se segue, não há.
Ó meu Porto onde a eterna mocidade
Diz à gente o que é ser nobre e leal
Teu pendão leva o escudo da cidade
Que na história deu o nome a Portugal
Ó campeão o teu passado
É um hino de honras e vitórias sem igual
O teu Brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto Porto Porto
Quando alguém se atrever a sufocar
O grito audaz da tua ardente voz
Ó Porto então verás vibrar
A multidão num grito só de todos nós
Ó campeão o teu passado
É um hino de honras e vitórias sem igual
O teu brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto Porto Porto
Diz à gente o que é ser nobre e leal
Teu pendão leva o escudo da cidade
Que na história deu o nome a Portugal
Ó campeão o teu passado
É um hino de honras e vitórias sem igual
O teu Brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto Porto Porto
Quando alguém se atrever a sufocar
O grito audaz da tua ardente voz
Ó Porto então verás vibrar
A multidão num grito só de todos nós
Ó campeão o teu passado
É um hino de honras e vitórias sem igual
O teu brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto Porto Porto
"Encher chouriços"
Aqui fica uma outra versão da versatilidade dos nossos repórteres televisivos. É a versão “encher chouriços”.
Repórter, microfone na mão, à porta de casa do acidentado:
“- Então é assim. O nosso homem…, vou desviar-me um pouco para a esquerda para que o nosso repórter de imagem possa filmar a porta por onde o homem saiu. Como vêem é uma porta lacada a branco, com um puxador dourado. Ao, lado, uma bonita janela onde podemos vislumbrar cortinas de um tecido espesso que não deixa transparecer o que se passa dentro de casa. À casa acede-se por um carreiro lajeado, como se pode ver, que acaba junto à porta com três degraus em alvenaria. O jardim é um autêntico roseiral onde pontificam as rosas vermelhas. O pequeno portão de saída do jardim para a rua é em madeira de pinho tratado e pintado a branco. Foi por aqui que o nosso homem saiu. Já na rua tropeçou numa pedra solta e caiu. Antes de prosseguir, deixa-me dizer-te que a rua é toda empedrada a granito vindo das pedreiras alto-durienses. Os passeios estão limpos e são bordejados por bonitas árvores, de porte magnífico. No tronco desta, ao pé da qual me encontro, está gravado, talvez com um canivete suíço, um coração atravessado por uma seta, e a inscrição “Amo-te, Aldegundes”. A ambulância que transportou o acidentado é pintada a branco. Os paramédicos vestem de branco. O agente da autoridade que chegou ao local e accionou os meios de socorro, veste de azul, é um mocetão bem parecido, e além disso bem falante, com um discurso escorreito. Os óculos Rayban do acidentado, ficaram em mil pedaços. A pasta Luís Vuiton toda esmurrada, com a pega partida. O fato Armani ficou inutilizado, com vários rasgões. O Rolex já era.
O nosso homem partiu a cabeça (levou dez pontos), tem escoriações em várias partes do corpo e três costelas partidas. Pensa-se que poderá ter alta dentro de uma semana.”
Repórter, microfone na mão, à porta de casa do acidentado:
“- Então é assim. O nosso homem…, vou desviar-me um pouco para a esquerda para que o nosso repórter de imagem possa filmar a porta por onde o homem saiu. Como vêem é uma porta lacada a branco, com um puxador dourado. Ao, lado, uma bonita janela onde podemos vislumbrar cortinas de um tecido espesso que não deixa transparecer o que se passa dentro de casa. À casa acede-se por um carreiro lajeado, como se pode ver, que acaba junto à porta com três degraus em alvenaria. O jardim é um autêntico roseiral onde pontificam as rosas vermelhas. O pequeno portão de saída do jardim para a rua é em madeira de pinho tratado e pintado a branco. Foi por aqui que o nosso homem saiu. Já na rua tropeçou numa pedra solta e caiu. Antes de prosseguir, deixa-me dizer-te que a rua é toda empedrada a granito vindo das pedreiras alto-durienses. Os passeios estão limpos e são bordejados por bonitas árvores, de porte magnífico. No tronco desta, ao pé da qual me encontro, está gravado, talvez com um canivete suíço, um coração atravessado por uma seta, e a inscrição “Amo-te, Aldegundes”. A ambulância que transportou o acidentado é pintada a branco. Os paramédicos vestem de branco. O agente da autoridade que chegou ao local e accionou os meios de socorro, veste de azul, é um mocetão bem parecido, e além disso bem falante, com um discurso escorreito. Os óculos Rayban do acidentado, ficaram em mil pedaços. A pasta Luís Vuiton toda esmurrada, com a pega partida. O fato Armani ficou inutilizado, com vários rasgões. O Rolex já era.
O nosso homem partiu a cabeça (levou dez pontos), tem escoriações em várias partes do corpo e três costelas partidas. Pensa-se que poderá ter alta dentro de uma semana.”
domingo, 10 de maio de 2009
Enfim, "bom" jornalismo
Muletas
Não, carantonhas, não é o "muleta negra", não senhor. Do que me proponho escrever é de uma muleta, ou se quiserem, vício de linguagem, utilizada pela maior parte dos nossos repórteres de televisão. A muleta é o "então".
Vejamos então:
"Repórter, microfone na mão, à porta da casa do acidentado:
- Então é assim. Vou desviar-me então um pouco para a esquerda, para que o nosso repórter de imagem possa filmar a porta por onde então o homem saiu. Como vêem é uma porta lacada a branco, com puxador dourado. Foi por ali que então o homem saiu e começou então a caminhar rua abaixo, com a sua pasta de executivo na mão. Então não reparou numa pedra solta, e então tropeçou, caiu e rolou pela rua abaixo. Quando o foram então levantar, viu-se então que partira os óculos, esmurrara as mãos e a testa, e rasgara então o fato. Por se suspeitar que pudesse então ter alguma fractura, foi então levado ao hospital, onde antes de seguir para tratamento, pode então apresentar queixa , no posto policial do hospital, contra a Câmara, por não ter então removido a pedra solta. Então Zé, daqui é tudo e esperemos então pela reacção da Câmara."
Passe o exagero da caricatura, é assim, carantonhas, que os nossos repórteres usam e abusam de muletas. Então esta do "então" é demais. Então, tenho dito.
Vejamos então:
"Repórter, microfone na mão, à porta da casa do acidentado:
- Então é assim. Vou desviar-me então um pouco para a esquerda, para que o nosso repórter de imagem possa filmar a porta por onde então o homem saiu. Como vêem é uma porta lacada a branco, com puxador dourado. Foi por ali que então o homem saiu e começou então a caminhar rua abaixo, com a sua pasta de executivo na mão. Então não reparou numa pedra solta, e então tropeçou, caiu e rolou pela rua abaixo. Quando o foram então levantar, viu-se então que partira os óculos, esmurrara as mãos e a testa, e rasgara então o fato. Por se suspeitar que pudesse então ter alguma fractura, foi então levado ao hospital, onde antes de seguir para tratamento, pode então apresentar queixa , no posto policial do hospital, contra a Câmara, por não ter então removido a pedra solta. Então Zé, daqui é tudo e esperemos então pela reacção da Câmara."
Passe o exagero da caricatura, é assim, carantonhas, que os nossos repórteres usam e abusam de muletas. Então esta do "então" é demais. Então, tenho dito.
sexta-feira, 8 de maio de 2009
Assim se vê...
Hipérides despe Friné diante do areópago, in ulises-itaca.blogspot.com
Assim se vê a força...alto lá, carantonhas, não me acusem de copiar, isto é, clonar ou plagiar qualquer slogan que baile nas vossas desconfiadas cabeças.
Eu só quero dizer que assim se vê a força da poesia, entendido!
Esta que fica aí em baixo, lembrei-me dela quando pensava em algumas acções de alguns dos principais arcontes do areópago ( eh pah, como é difícil desarrincar de vez em quando, palavras caras) de algumas localidades. Desculpem lá tantos "alguns", mas teve que ser. Carantonhas, carantonhas, não se ponham pr'aí (neologismo?) com pensamentos enviesados...
É que os arcontes que nos (des)governam, ainda que o não pensem ou saibam, são também actores. E alguns, bem grandes. Tenho dito, e vamos então à poesia de Sidónio Muralha.
TEATRO
Na sala vazia sentaram-se os quatro.
E os quatro ficaram olhando,no fundo,
a mancha de luz do pequeno teatro.
- O dono do teatro - um vagabundo
que trouxera o teatro do outro lado do mundo -
por trás das cortinas puxava os cordéis...
Puxava os cordéis aos fantoches, fiéis
aos seus dedos infiéis de vagabundo.
..............................................................................
Dos quatro meninos, um deles voltou,
e tanto viu, que decorou
as falinhas mansas e a maneira
invertebrada dos fantoches de feira.
De dois dos meninos ninguém mais falou,
(e o outro é Poeta e ninguém lhe perdoa...)
mas do menino-fantoche como é bom falar...
- porque o menino-fantoche é hoje a pessoa
mais importante do lugar.
Assim se vê a força...alto lá, carantonhas, não me acusem de copiar, isto é, clonar ou plagiar qualquer slogan que baile nas vossas desconfiadas cabeças.
Eu só quero dizer que assim se vê a força da poesia, entendido!
Esta que fica aí em baixo, lembrei-me dela quando pensava em algumas acções de alguns dos principais arcontes do areópago ( eh pah, como é difícil desarrincar de vez em quando, palavras caras) de algumas localidades. Desculpem lá tantos "alguns", mas teve que ser. Carantonhas, carantonhas, não se ponham pr'aí (neologismo?) com pensamentos enviesados...
É que os arcontes que nos (des)governam, ainda que o não pensem ou saibam, são também actores. E alguns, bem grandes. Tenho dito, e vamos então à poesia de Sidónio Muralha.
TEATRO
Na sala vazia sentaram-se os quatro.
E os quatro ficaram olhando,no fundo,
a mancha de luz do pequeno teatro.
- O dono do teatro - um vagabundo
que trouxera o teatro do outro lado do mundo -
por trás das cortinas puxava os cordéis...
Puxava os cordéis aos fantoches, fiéis
aos seus dedos infiéis de vagabundo.
..............................................................................
Dos quatro meninos, um deles voltou,
e tanto viu, que decorou
as falinhas mansas e a maneira
invertebrada dos fantoches de feira.
De dois dos meninos ninguém mais falou,
(e o outro é Poeta e ninguém lhe perdoa...)
mas do menino-fantoche como é bom falar...
- porque o menino-fantoche é hoje a pessoa
mais importante do lugar.
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"O Estado sou eu"
Luís XIV de França – o Rei Sol – costumava dizer, para afirmar o seu poder, “O Estado sou eu”. Cá pelo burgo, o sr. RR, presidente da Câmara do Porto, julga-se também dono da nossa cidade. Explico: vimos na tv, lemos nos jornais, que RR não gostou de ser levado a tribunal por causa da não atribuição de um subsídio ao Teatro Art’Imagem, para a realização de um festival, subsídio que já havia sido prometido pelo vereador da Cultura. Declaro já que não gosto da governação de RR, embora esteja de acordo com algumas das suas decisões, como no caso do Rivoli e da subsídio-dependência. Na revista "Porto sempre", órgão de propaganda da CMP, volta-se ao assunto, ainda que escamoteando alguns detalhes. E mais uma vez RR se vitimiza. Refere sempre que é ele que está a ser julgado. Mentira, é a CMP, ele é tão só o seu representante. Embora, pelos elementos que conheço, que diga-se são praticamente os publicados, julgue saber quem tem razão no diferendo, não é isso que no fundo me interessa. O que para aqui interessa é que RR, julga-se, como político, acima da lei. Entende ele que uma decisão política não deve ser julgada nos tribunais. Homessa, digo eu! Então os políticos, que obviamente tomam decisões políticas, se tomarem decisões que prejudiquem os cidadãos, devem ficar impunes?, pergunto eu. Era aqui que queria chegar, à opinião vesga e manipuladora de RR, que acusa de má fé o Teatro Art’Imagem. Isto porque assinou o protocolo – que recebeu passados dois meses de o festival se ter realizado – mas ressalvando a sua não concordância com a cláusula que não lhe permitia criticar as decisões da CMP. Foi, no fundo, esta não concordância que motivou a não concessão do subsídio. Perguntou eu, na minha ignorância, então quem é que está de má fé? Não é a CMP, ao impor condições restritivas ao outro interessado, quando este se propõe apresentar actividades culturais que deveriam ser (são, direi eu) da sua responsabilidade? Pergunto a RR, se não foi por esta decisão que o meu colega e adversário das lides basquetebolísticas, o vereador da Cultura, Dr. Fernando de Almeida, se demitiu.
Nós sabemos a resposta. Só me resta dizer: que São Pancrácio valha à nossa cidade. Tenho dito.
Nós sabemos a resposta. Só me resta dizer: que São Pancrácio valha à nossa cidade. Tenho dito.
quarta-feira, 6 de maio de 2009
Insubmissões
Imagem "roubada" a madeiraviva.blospot.com
Este postal é especialmente para os meus netos Ricardo e João, com afecto.
"As grandes insubmissões sempre foram para mim as pequenas. Na minha vida lembro duas.
(...) Outra grande insubmissão foi a do mauricio, também nos primeiros anos do liceu.
Um dia o maurício faltou à aula das nove. Até aí, nada de particular. Saímos para o pátio e o maurício estava no campo de basket, perfeitamente equipado, sozinho, a lançar a bola ao cesto.
- Ó maurício, faltaste à aula das nove.
E o maurício, sem responder, imperturbável, continuava a lançar a bola ao cesto.
Tocou para a aula das dez.
- Ó maurício, não vens à aula?
O maurício não respondia. Continuava, imperturbável, a lançar a bola ao cesto.
Faltou à aula das dez, faltou toda a manhã. Nos intervalos saíamos e logo ouvíamos a bola contra a tabela. O maurício, sozinho, continuava a lançar a bola ao cesto.
Só se foi vestir quando tocou para a saída da última aula dessa manhã. Esperámos todos por ele. Não lhe perguntámos nada. E seguimo-lo cheios de admiração. O maurício, apesar dos professores, apesar dos contínuos, apesar da campaínha, faltara a todas as aulas.
Toda a manhã jogara basket. Sozinho. Contra professores, contra contínuos, contra a campaínha."
Gostaram?
Sejam insubmissos quando tiverem que sê-lo. Mas com respeito e conscientes.
Ruy Belo in Imagens vindas dos dias - Todos os Poemas, Livro I-Assírio e Alvim, 2004
Rui de Moura Ribeiro Belo, nasceu em 1933 em São João da Ribeira, Rio Maior.Fez os estudos primários, com os pais, professores. Frequenta Direito em Coimbra e em Lisboa, onde se formou. Cursou Direito Canónico em Roma onde se licenciou em 1957, com a classificação magna cum laude. Foi organizador de várias revistas literárias, e tradutor. Em Agosto de 1978 quando se preparava para concorrer ao lugar de assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, instituição que sempre lhe recusara nela leccionar, morre subitamente na sua residência de Monte Abraão. Livros de Ruy Belo: Aquele Grande Rio Eufrates, Boca Bilingue, Homem de Palavra(s), País Possível, A Margem da Alegria, Toda a Terra, Despeço-me da Terra da Alegria.
Este postal é especialmente para os meus netos Ricardo e João, com afecto.
"As grandes insubmissões sempre foram para mim as pequenas. Na minha vida lembro duas.
(...) Outra grande insubmissão foi a do mauricio, também nos primeiros anos do liceu.
Um dia o maurício faltou à aula das nove. Até aí, nada de particular. Saímos para o pátio e o maurício estava no campo de basket, perfeitamente equipado, sozinho, a lançar a bola ao cesto.
- Ó maurício, faltaste à aula das nove.
E o maurício, sem responder, imperturbável, continuava a lançar a bola ao cesto.
Tocou para a aula das dez.
- Ó maurício, não vens à aula?
O maurício não respondia. Continuava, imperturbável, a lançar a bola ao cesto.
Faltou à aula das dez, faltou toda a manhã. Nos intervalos saíamos e logo ouvíamos a bola contra a tabela. O maurício, sozinho, continuava a lançar a bola ao cesto.
Só se foi vestir quando tocou para a saída da última aula dessa manhã. Esperámos todos por ele. Não lhe perguntámos nada. E seguimo-lo cheios de admiração. O maurício, apesar dos professores, apesar dos contínuos, apesar da campaínha, faltara a todas as aulas.
Toda a manhã jogara basket. Sozinho. Contra professores, contra contínuos, contra a campaínha."
Gostaram?
Sejam insubmissos quando tiverem que sê-lo. Mas com respeito e conscientes.
Ruy Belo in Imagens vindas dos dias - Todos os Poemas, Livro I-Assírio e Alvim, 2004
Rui de Moura Ribeiro Belo, nasceu em 1933 em São João da Ribeira, Rio Maior.Fez os estudos primários, com os pais, professores. Frequenta Direito em Coimbra e em Lisboa, onde se formou. Cursou Direito Canónico em Roma onde se licenciou em 1957, com a classificação magna cum laude. Foi organizador de várias revistas literárias, e tradutor. Em Agosto de 1978 quando se preparava para concorrer ao lugar de assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, instituição que sempre lhe recusara nela leccionar, morre subitamente na sua residência de Monte Abraão. Livros de Ruy Belo: Aquele Grande Rio Eufrates, Boca Bilingue, Homem de Palavra(s), País Possível, A Margem da Alegria, Toda a Terra, Despeço-me da Terra da Alegria.
domingo, 3 de maio de 2009
Dia da Mãe
Em Portugal comemorou-se hoje o dia da Mãe. Não sendo, bota-de-elástico ou conservador, já o deixei escrito no dia 8 de Dezembro passado, num outro post, para mim o Dia da Mãe é o dia 8 de Dezembro. Porque não compreendo a razão da mudança, desta, ou de outras, que de vez em quando a igreja católica resolve patrocinar. Sei que este dia não é comemorado em todos os países na mesma data. Mas em grande parte do mundo católico (p. ex., aqui ao lado, em Espanha) prevalece o dia 8 de Dezembro. No entanto não quero deixar passar a data em claro e aqui fica uma saudação a todas as mães e em particular à minha, nos seus bonitos e rijos 88 anos. Obrigado Mãe, por me teres trazido ao mundo. Para todas as outras, aquelas que ainda estão entre nós, e aquelas que já são uma terna saudade, obrigado pelo vosso papel.
Para terminar, um pequeno poema da poetisa angolana, Alda Lara.
TRAMPOLIM
Mãe:
Deixa-me saltar no trampolim…
Deixa-me ser como os outros,
Gritar,
Empurrar,
Saltar nos trampolins que há por aí!...
Mãe:
Não me prendas mais…
Já que não posso ser acrobata,
Serei palhaço
A fingir, que também
Sou capaz,
De dar saltos no espaço!...
… Mas ficar, não!
Deixa-me tentar…
Deixa-me saltar no trampolim!...
Alda Lara, angolana, nasceu em Benguela em 1930 e faleceu em 1962. Além de Angola estudou em Lisboa - onde viveu vários anos - no Liceu Maria Amélia Vaz de Carvalho. Estudou medicina em Lisboa e Coimbra, por cuja Universidade se formou. Mas Alda Lara era sobretudo conhecida como grande poetisa que foi. Não tem uma obra extensa e nunca publicou em vida. Deixou em testamento esse encargo ao marido.
E a propósito de testamento, não resisto a deixar aqui um belíssimo poema, precisamente o poema Testamento, que embora dos primeiros a ser escritos, é no entanto um verdadeiro testamento.
TESTAMENTO
À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo,
ofereço-o aquele amigo
que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.
Quantos aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme...
deixo-os a ti, meu Amor...
Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás por essa noite fora...
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua...
Para terminar, um pequeno poema da poetisa angolana, Alda Lara.
TRAMPOLIM
Mãe:
Deixa-me saltar no trampolim…
Deixa-me ser como os outros,
Gritar,
Empurrar,
Saltar nos trampolins que há por aí!...
Mãe:
Não me prendas mais…
Já que não posso ser acrobata,
Serei palhaço
A fingir, que também
Sou capaz,
De dar saltos no espaço!...
… Mas ficar, não!
Deixa-me tentar…
Deixa-me saltar no trampolim!...
Alda Lara, angolana, nasceu em Benguela em 1930 e faleceu em 1962. Além de Angola estudou em Lisboa - onde viveu vários anos - no Liceu Maria Amélia Vaz de Carvalho. Estudou medicina em Lisboa e Coimbra, por cuja Universidade se formou. Mas Alda Lara era sobretudo conhecida como grande poetisa que foi. Não tem uma obra extensa e nunca publicou em vida. Deixou em testamento esse encargo ao marido.
E a propósito de testamento, não resisto a deixar aqui um belíssimo poema, precisamente o poema Testamento, que embora dos primeiros a ser escritos, é no entanto um verdadeiro testamento.
TESTAMENTO
À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo,
ofereço-o aquele amigo
que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.
Quantos aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme...
deixo-os a ti, meu Amor...
Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás por essa noite fora...
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua...
Adenda
Pois, a tecnologia tem destas coisas. E para quem não está suficientemente dentro dela, pior. O escrito anterior, mercê das manigâncias técnicas, não ficou completo, porque a malvada maquineta se recusou a abrir o blog. Problema que só hoje (espero), depois de inúmeras tentativas, ficou resolvido. O post deveria comportar uma declaração de intenções e acabar com um poema.
Declaração de intenções: nunca tive, não tenho e não terei qualquer filiação partidária. Quanto ao Governo, seja ele qual for, - e embora concordando que nem tudo é mau na governação - sou sempre contra. Também em tempos escrevi num jornal, apesar de não ser jornalista. E nem de propósito esta adenda, uma vez que hoje foi também o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa
Agora o poema:
TEMPO DE CALÍGULA
Calígula era um indivíduo admirável
dentro da sua casaca preta
por isso os senhores que habitavam o palácio de Calígula
se tornavam subitamente admiráveis
dentro das suas casacas pretas
tão admiráveis
que se acaso Calígula falava
só o eco das palavras semeava de espanto
o coração de todos
e se Calígula sorria
ainda que fosse discretamente
todos sorriam discretamente
(de outra maneira, é lógico, deixariam de ser admiráveis)
e em cada palavra, cada sorriso
os insígnes jornalistas do palácio
anunciavam uma ideia admirável
para os destinos bíblicos de Roma
mas os anos foram continuando os séculos
e Roma era apenas uma pátria
sem tempo e sem destino
assim como um relógio antiquíssimo
a que Calígula não tivesse dado corda
porquê então os sorrisos de Calígula
e dos senhores subitamente admiráveis
dentro das suas casacas pretas?
soube-se mais tarde, isto é,
após a morte de Calígula
que Calígula só era um indivíduo admirável
dentro da sua casaca preta
por saber contar anedotas admiráveis
aos senhores subitamente admiráveis
por saberem sorrir às anedotas de Calígula
então o povo disse
que quem contava anedotas admiráveis
eram afinal os jornalistas do palácio de Calígula.
Fernando Guedes in Caderno "Poemas livres" n.º 1 - Março de 1962
Declaração de intenções: nunca tive, não tenho e não terei qualquer filiação partidária. Quanto ao Governo, seja ele qual for, - e embora concordando que nem tudo é mau na governação - sou sempre contra. Também em tempos escrevi num jornal, apesar de não ser jornalista. E nem de propósito esta adenda, uma vez que hoje foi também o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa
Agora o poema:
TEMPO DE CALÍGULA
Calígula era um indivíduo admirável
dentro da sua casaca preta
por isso os senhores que habitavam o palácio de Calígula
se tornavam subitamente admiráveis
dentro das suas casacas pretas
tão admiráveis
que se acaso Calígula falava
só o eco das palavras semeava de espanto
o coração de todos
e se Calígula sorria
ainda que fosse discretamente
todos sorriam discretamente
(de outra maneira, é lógico, deixariam de ser admiráveis)
e em cada palavra, cada sorriso
os insígnes jornalistas do palácio
anunciavam uma ideia admirável
para os destinos bíblicos de Roma
mas os anos foram continuando os séculos
e Roma era apenas uma pátria
sem tempo e sem destino
assim como um relógio antiquíssimo
a que Calígula não tivesse dado corda
porquê então os sorrisos de Calígula
e dos senhores subitamente admiráveis
dentro das suas casacas pretas?
soube-se mais tarde, isto é,
após a morte de Calígula
que Calígula só era um indivíduo admirável
dentro da sua casaca preta
por saber contar anedotas admiráveis
aos senhores subitamente admiráveis
por saberem sorrir às anedotas de Calígula
então o povo disse
que quem contava anedotas admiráveis
eram afinal os jornalistas do palácio de Calígula.
Fernando Guedes in Caderno "Poemas livres" n.º 1 - Março de 1962
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