quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Lá vai o combóio...


No passado sábado (dia 22) estive em S. Paio de Oleiros, na Biblioteca, a participar em mais uma sessão de poesia, do Quarto Crescente, organizada como sempre pelo Anthero Monteiro. Só que esta foi uma sessão especial. Como no dia seguinte, domingo, se comemorava o Centenário da inauguração da Linha do Vale do Vouga, o nosso amigo Anthero resolveu, e bem, que fosse dita só poesia sobre combóios. A sessão decorreu com o nível habitual que lhe é imprimido pelos residentes e colaboradores da Onda Poética, só que desta vez com mais ritmo, o que a valorizou imenso. Para maior brilho, e nossa satisfação, tivemos até a presença, com farda, boné e apito, do senhor Raul Latada, o último chefe da estação de S. Paio de Oleiros. No final, o que já constitui tradição, o convívio ao redor da mesa com excelentes comes e bebes.
A recordar: A linha de caminho de ferro do Vale do Vouga teve o seu início, no papel, pelo decreto nº15/2 do ano de 19oo e o seu trajecto ía de Espinho a Viseu. O primeiro troço da linha foi construído entre Espinho e Oliveira de Azemeis, e para a explorar foi constituida a Companhia do Vale do Vouga. A inauguração coube ao rei D. Manuel II no dia 23 de Novembro, segunda-feira. A exploração efectiva "com serviço de passageiros, bagagens e cães" teve início no dia 21 de Dezembro seguinte.
Alguns poemas onde se fala de combóios:
AO PASSAR POR ESPINHO
As ruas nasciam
de dentro dos comboios
e seguiam
direitas ao mar.
Os olhos dos meninos
tornavam-se navios
alongavam
todo o novelo do peito
até ao fim da linha azul
do longe.
As casas abriam as janelas
e sorriam
à limpeza do ar.
Mas isso era no tempo
em que os comboios cantavam
com sotaque lento
e pousavam
por vezes
nalgum ramo de pinheiro
enquanto o mundo descansava
de tão longa caminhada.
José Fanha
À ESPERA DO COMBÓIO
Eu esperava serenamente
por um comboio
numa paragem de autocarros
e só chegavam mesmo autocarros
nunca passava um comboio
e entretanto o dia morria
na linha do horizonte do mar
totalmente pintada de vermelho
como sangue esquecido no abismo
Uma senhora de idade perguntou-me
se queria um copo de água
depois de olhar bem para mim
e me aconselhar a procurar
uma estação de comboios
pois ali só paravam autocarros
Também um cavalheiro deu-me
um cigarro e eu não fumo e disse
que se quisesse podíamos conversar
sobre a história de estarmos à espera
numa paragem de autocarros
pela passagem de um comboio
e não de um autocarro qualquer
Eu sabia que o cavalheiro e a velhinha
só me queriam ajudar a olhar mais atentamente
para a realidade que me rodeava
porém não podia aceitar nenhuma
das suas educadas propostas
porque a minha realidade estava definida
e esperava por um comboio
numa paragem de autocarros
e ninguém tinha nada a ver com isso
Na verdade eu só decidira experimentar
a sensação de esperar por um comboio
numa ilha onde apenas existem autocarros
observando o crepúsculo
sem ter outras coisas para fazer
José António Gonçalves (Madeira)
(inédito.06.09.04)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

As Avós

Vamos lá ver se nos entendemos. Calma, carantonhas, eu explico.O que se segue ainda não dá para que eu exerça o meu direito à indignação, mas... Passo a explicar. Anda aí pela net, em sitios e blogs, mais nestes do que naqueles, um texto sobre as Avós, com a informação de que foi publicado no Jornal do Cartaxo e escrito por uma menina de 8 anos. Já o vi também como tendo sido escrito por um menino de 9 anos. Nada mais falso. Espantem-se ou acreditem se quiserem, quem começou a divulgar esse texto em sessões de poesia, fui eu, o Carantonha-Mor. Pois é. Continuo a explicar. Quem me deu a conhecer esse texto foi o meu amigo poeta (infelizmente, para ele, bancário no activo) Nelson Ferraz, que o encontrou publicado no Almanaque de Santo António de 1995 (pág. 249, referente ao mês de Outubro), que mo ofereceu. Desde essa data, passei a divulgá-lo, como já disse. Explicando melhor: esse texto sobre as avós, tem origem numa publicação chamada Enfants de Partout, e foi elaborado por crianças de 8 anos, de Genebra. Como é que ele aparece na net?. Nas minhas sessões de poesia, havia sempre alguém que achava o texto interessante e mo pedia (por isso eu levava sempre comigo vários exemplares). E assim o texto foi dado a conhecer a muitas pessoas dos mais variados locais... Pormenor interessante: o texto foi muito utilizado pela senhora de Penafiel (já falecida) que começou com a campanha para instituir o Dia dos Avós (e conseguiu). Tudo explicado? Quase... Um pormenor: se, num motor de busca procurarem as Avós, o texto aparece como sendo da criança de 8 anos, do Cartaxo, ou sem menção de autoria. Se procurarem por Enfants de Partout, o texto aparece com a menção de autoria, que constava dos impressos que eu dispensava. Espero que tenha por uma vez ficado esclarecido o assunto.
NOTA: Enfants de Partout é uma revista que se publica em Paris, quatro vezes por ano, e é um orgão do BICE-Bureau International Catholique de l'Enfance, que se dedica à divulgação e protecção dos direitos da criança.

E agora o texto:

AS AVÓS

Uma avó é uma mulher que não tem filhos; por isso gosta dos filhos dos outros.
As avós não têm nada que fazer é só estarem ali.
Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as folhas bonitas nem as lagartas.
Nunca dizem: despacha-te. Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem atar-nos os sapatos.
Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo, ou uma fatia maior.
Uma avó de verdade nunca bate numa criança; zanga-se, mas a rir.
As avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes.
Quando nos lêem histórias nunca saltam bocados e não se importam de contar a mesma história várias vezes. As avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo.
Não são tão fracas como elas dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós.
Toda a gente deve fazer o possível por ter uma avó, sobretudo se não tiver televisão.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Preto e Platero

Lá em casa, na aldeia, houve há muitos anos um burro que, quanto me recordo, não tinha nome, ou se o tinha era Preto. O Preto era um animal dócil, e afável, benquisto e acarinhado por todos lá em casa. Acabou por morrer não de velhice, mas de doença. Uma infecção vitimou-o, deixando em todos nós um sentimento de tristeza.
Lembrei-me do Preto quando agora reli "Platero e eu" do escritor e poeta Juan Ramón Jimenez. É um dos meus livros preferidos apesar de só ter tido a oportunidade de o ler já a juventude tinha ficado para trás. Confesso que a sua singeleza, a sua ternura, o bucolismo e o ambiente idílico retratados, me encantaram. Direi mesmo que me emocionei ao lê-lo, particularmente quando chegou o momento de encarar a morte de Platero. Talvez por já terem passado alguns anos e porque a vida tenha calcinado algumas emoções, a sua releitura já não me provocou a mesma reacção. No entanto, continua a ser um dos meus livros preferidos. Fica aqui um pouco do "Platero e eu".
"Platero, é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro.
Deixo-o solto, e vai para o prado, e acaricia levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas...
Chamo-o docemente: «Platero», e ele vem até mim com um trote curto e alegre que parece rir em não sei que guizalhar ideal...
...........
ASNOGRAFIA
Leio num dicionário: «Asnografia: s. f.: diz-se, ironicamente, da descrição do asno».
Pobre asno! Tão bondoso, tão nobre, tão inteligente como nós! Ironicamente... Porquê? Nem uma descrição séria mereces tu, cuja descrição exacta seria um conto de Primavera? Se ao homem que é bom deveriam chamar asno! Se ao asno que é mau deveriam chamar homem! Ironicamente... De ti, tão intelectual, amigo dos velhos e das crianças, dos regatos e das borboletas, do sol e dos cães, das flores e da lua, paciente e reflexivo, melancólico e amável, Marco Aurélio dos prados...
Platero, sem dúvida compreende, olha-me fixamente com os seus grandes olhos brilhantes, de uma serena firmeza, onde o sol brilha, diminuto e refulgente, num breve e convexo firmamento negro. Ai! Se a sua peluda cabeçorra idílica soubesse que eu lhe faço justiça, que eu sou melhor que esses homens que escrevem Dicionários, quase tão bom como ele!
E escrevi à margem do livro: «Asnografia: s. f.: deve dizer-se, com ironia, claro está!, da descrição do homem imbecil que escreve dicionários».
Confesso que se tivesse possibilidade, gostava de ter um burro, como o Platero ou como o saudoso Preto.
Se ainda não leram "Platero e eu", espero que este trecho do livro vos incentive.

Juan Ramón Jimenez nasceu em Moguer, Andaluzia, em 23 de Dezembro de 1881, filho de uma família abastada. Fez os estudos secundários no colégio jesuíta de Porto se Santa Maria. Estudou direito em Sevilha, por vontade do pai, e pintura, por vontade própria.Começou a ler os poetas espanhóis mais famosos da época. Foi para Madrid em Abril de 1900. A morte repentina do pai causou-lhe um traumatismo para toda a vida: o pavor da morte súbita e o consequente desejo de ter sempre um médico perto de si. Mudou-se para Porto Rico em resultado de sucessivas viagens e hospitalizações por motivo das frequentes depressões nervosas. Juan Ramón Jimenez ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1956 e morreu a 29 de Maio de 1958.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

No dia de São Martinho vai à adega...

“No São Martinho vai à adega e prova o vinho”. “No dia de São Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho”. “No dia de São Martinho come-se castanhas e bebe-se vinho”. Tudo isto é verdade, mas não tem qualquer relação directa com o Santo. Só que é no tempo frio que se mata o porco e é na altura das festividades em honra do santo que o vinho atinge a sua maturidade e está pronto a ser bebido. Daí o aproveitamento pagão da quadra.
Martinho nasceu no então império romano, em Panónia, hoje Hungria entre 315 e 317. Era filho de um soldado romano e como mandava a tradição, filho de militar segue a vida militar. Entrou para o exército aos 15 anos e chegou a cavaleiro da guarda imperial. Vem desse tempo a mais conhecida lenda sobre o santo. Num dia de rigoroso Inverno, com chuva e trovoada, Martinho seguia a caminho de França, e então apareceu-lhe um homem muito pobre, meio desnudado e cheio de frio, que lhe pediu uma esmola. Martinho não tinha nada para lhe dar e então com a espada rasgou a sua capa ao meio, deu metade ao pobre e seguiu o seu caminho. Os seus camaradas de armas riram-se dele, por ficar com a capa rasgada. Este facto presume-se como verdadeiro. È aqui que entra a lenda. Foi então que a tempestade parou e um sol quente e radioso surgiu no céu. Foi o sinal do céu para compensar a bondade e as qualidades humanitárias do Santo. Daí a expressão “verão de São Martinho”. A partir desse dia Martinho começou a olhar para os cristãos de outro modo, sente-se um homem novo, é batizado em 337 ou 339 e dedica-se então a pregar o amor entre todos, pois percebe que os outros não são seus inimigos mas seus irmãos. O seu exemplo de despojamento leva a que o considerem santo. É na realidade o primeiro santo não mártir.

Deixo-vos aqui algumas quadras populares relacionadas com o santo e com as festividades pagãs:

S. Martinho ao dar a capa
Não teve frio, em verdade
Pois nada aquece melhor
Que o fogo da caridade

Tua capa S. Martinho
Deu calor a mais alguém.
Quantos com capa maior
Não agasalham ninguém.

S. Martinho ao fazer bem
Foi poeta com certeza!
- Faz poesia também
Quem sabe amar a pobreza

S. Martinho com a espada
Cortou sua capa ao meio,
Mas quanta língua danada
Só corta o casaco alheio.

Nem com capa a gente escapa
S. Martinho nesta vida:
Dona castanha tem capa
E mesmo assim é comida

No dia de S. Martinho
Olhei-te e não te esqueci.
Fui à feira atrás do vinho,
Vim da feira atrás de ti.

Se quem bebe muito vinho,
S. Martinho, faz pecado,
Tenho o inferno certinho,
Mas vou p’ra lá consolado!

Deu S. Martinho o capote
Ao pobre, por caridade.
Se ele visse o teu decote
Dava-te, ao menos, metade.

S. Martinho se viesse
A este mundo outra vez,
Não tinha pano que desse
P’ra tapar tanta nudez.

As tuas saias, Maria,
De curtas, subiram tanto,
Que S. Martinho até disse;
- Já não se pode ser santo.

sábado, 8 de novembro de 2008

A dúvida

A dúvida instalou-se na minha cabeça.
É o tempo. "O tempo passa por nós...". É esta a dúvida. É o tempo que passa por nós, ou somos nós que passamos pelo tempo? Mesmo duvidando, quer-me parecer que somos nós que passamos. Pois se o tempo está sempre cá! Nascemos, crescemos, partimos. Cá está, partimos. Partimos do tempo que fica, está cá sempre, ainda que cada um tenha o "seu tempo". Ter "o seu tempo", "no meu tempo", no "vosso tempo", é a pequena parcela que ocupamos e que é mensurável de modo diferente para cada um. Ah, também medimos o tempo! "Do fundo do tempo". Como disse António Gedeão, "venho do fundo do tempo, não tenho tempo a perder". O tempo também tem fundo! Mas não tem cimo, isto é, não tem fim. É infinito. Lógico.
"Estamos aqui a matar o tempo". Matar o tempo? Se o matarmos não ficamos sem ele? A dúvida persiste e continuo sem saber a resposta. Mas o tempo também não tem resposta para a minha dúvida. Duvidam? Então vejam! O tempo perguntou ao tempo/ quanto tempo o tempo tem/O tempo respondeu ao tempo/que o tempo tem o tempo que o tempo tem. Outra dúvida: será que o tempo tem passado, presente e futuro? Hoje deu-me para filosofar, que querem!
Como diria Álvaro de Campos " por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça!"

TEMPO DE POESIA

Todo o tempo é de poesia.

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.

Todo o tempo é de poesia.

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos
á confusão da harmonia.


FALA DO HOMEM NASCIDO
(Chega à boca de cena, e diz:)

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
S´quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão, Obra Completa,
Relógio D'Água Editores

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

"Pior a amêndoa que o cimento"


Há já uns bons anos, integrei um grupo de teatro de amadores, numa vila, hoje cidade, fronteira com a cidade onde vivo. O grupo era heterogéneo em termo de profissões e culturalmente (ainda que saibamos que cultura é também o saber de experiência feito) muito diversificado também. Havia até alguns elementos com uma dose elevada de (como agora se diz) iliteracia. Entre eles o A, indivíduo que roçava a boçalidade, que era um convencido e tinha um defeito de linguagem marcante. Trocava o b pelo v. Em dada altura preparávamos uma peça do brasileiro Dias Gomes, a Invasão, cujo tema era precisamente a invasão de um prédio em construção, por gente das favelas. O A fazia o papel de um polícia. Um dia, no sentido de convencer aquela gente a abandonar o prédio, o chefe da polícia acompanhado pelo A, vai falar com os ocupantes. Depois da intervenção do chefe, o A dava a sua deixa, uma única frase, mais ou menos isto (cito de memória): “Saiam todos, senão vão para o albergue”. Ora como o nosso A trocava os s pelos vês, o albergue saiu alvergue. O encenador ouviu, parou o ensaio, e corrigiu. Continuou o ensaio. Voltou a sair alvergue. Mais uma ou duas vezes. O encenador E, constatou a persistência no erro, mandou parar, pensou, e disse: “ A, em vez de albergue, vais dizer asilo”. “Está bem senhor E”. E então saiu esta coisa linda: “ Saiam todos, senão vão para o asilio” Ora toma que já almoçaste!

TEATRO

Na sala vazia sentaram-se os quatro.
E os quatro ficaram olhando, no fundo,
a mancha de luz do pequeno teatro.

- O dono do teatro – um vagabundo
que trouxera o teatro do outro lado do mundo –
por trás das cortinas puxava os cordéis…
Puxava os cordéis aos fantoches, fiéis
aos seus dedos infiéis de vagabundo.
……………………………………………………………….
Dos quatro meninos, um deles voltou,
e, tanto viu, que decorou
as falinhas mansas e a maneira
invertebrada dos fantoches de feira.

De dois dos meninos ninguém mais falou,
(e o outro é Poeta e ninguém lhe perdoa…)
mas do menino fantoche como é bom falar…

- porque o menino fantoche é hoje a pessoa
mais importante do lugar.

Sidónio Muralha, in Passagem de Nível
Novo Cancioneiro, Editorial Caminho, 1989



TOMA TOMA TOMA

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.

O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada história
da nossa própria vida.

Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral da classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.

Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.

Alexandre O’Neill, Poesias Completas (1951/1986),
Imprensa Nacional – Casa da Moeda




segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Anúncio



O Teatro da Carantonha anuncia que a sua estrutura

"Encantadores de Palavras", está prontinha e disponível

para se deslocar a casa dos carantonhas que o desejem,

levando no alforge poemas e outros textos. É aproveitar

carantonhas!. No quente do lar, sabem bem uns poemas e

algumas cantigas, acreditem. As condições de deslocação

são estabelecidas caso a caso. Ficamos à espera.