segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Harold Pinter, poeta, escritor, actor, encenador e argumentista, considerado o maior expoente dramático inglês da segunda metade do séc. XX morreu aos 78 anos, na véspera de Natal. Era filho de um alfaiate judeu, com ascendência luso-judaica. estudou teatro na Royal Academy of Dramatic Art, de onde saiu ao fim de dois semestres para pisar o palco. Escreveu 32 peças, sendo a primeira, "The Room" em 1 acto, apresentada em 1957. O seu interesse pela política intensificou-se com o seu 2º casamento. Foi um activista politico muito crítico, especialmente em relação a governação de Bush e da sua conterrânea Margareth Thatcher e depois, de Tony Blair. Foi vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2005, mas já muito debilitado por um cancro no esófago, não foi autorizado pelo seu médico a ir recebê-lo. Enviou um discurso gravado, que usou para criticar Bush e definir a guerra do Iraque como "uma acção de bandidos". Recusou o título de sir que Elisabeth II lhe concedeu. A partir de 1973 ficou conhecido também como defensor dos direitos humanos. Transcrevemos um excerto do seu discurso de aceitação do Prémio Nobel:
" Estou convencido de que, apesar dos enormes obstáculos existentes, há uma obrigação crucial que recai sobre todos nós enquanto cidadãos: de com uma determinação intelectual inflexível, inabalável e feroz definir a verdade autêntica das nossas vidas e das nossas sociedades. É de facto uma obrigação imperativa. Se essa determinação não se incorporar na nossa visão política, não tenhamos esperança de restaurar aquilo que já quase se perdeu para nós — a dignidade do homem".

Termino com dois poemas seus.

À Minha Mulher

Eu estava morto e vivo agora
Tu pegaste-me na mão

Eu morri cegamente
Tu pegaste-me na mão

Tu viste-me morrer
E encontraste-me a vida

Tu foste a minha vida
Quando eu morri

Tu és a minha vida
E assim eu vivo.

O Mundo Está Prestes a Rebentar

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida.

Poemas in "Várias Vozes"

domingo, 21 de dezembro de 2008

NATAL III

Para não dizerem que eu não falei de flores.
Quem não se lembra desta bonita canção do Geraldo Bandré, cujo refrão é assim:
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera o acontecer

Pois, para não dizerem que eu não falei de flores, hoje trago aqui, para regozijo dos carantonhas, o Natal em poesia.

HISTORIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava,e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou por milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela aldeia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter na inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga

A ÚLTIMA PRENDA DO MENINO JESUS

O Menino Jesus já cansadinho
De tanto andar por cima dos telhados,
Descalçou os sapatos apertados
- Eram novos - e pô-los no caminho.

Nisto, sentiu ruído ali pertinho...
Trepou à chaminé com mil cuidados,
E que viu? - Dois tamancos esburacados
E, ao pé deles, rezando, um petizinho.

O Menino Jesus que faz então?
Sem ter nenhum brinquedo ali à mão,
Desses que tanto agradam aos garotos,

Troca os sapatos pelos do petiz.
- E depois vai ao céu mostrar, feliz,
À Virgem Mãe os sapatinhos rotos...

Adolfo Simões Muller


NATAL

Menino dormindo...
Silêncio profundo
Bem vindo, bem vindo,
Salvador do Mundo!

Noite. Noite fria.
Mas que linda que é!
De um lado Maria
Do outro José.

Um anjo descerra
A ponta do véu...
E cai sobre a Terra
A imagem do Céu!

Pedro Homem de Mello

E, caros Carantonhas, por aqui me fico, (pois vou estar ausente alguns dias), com os desejos de um Natal Feliz. E nada melhor do que finalizar com a última estrofe do poema Dia de Natal, de António Gedeão.

Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É Dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

È Natal II

Mais um texto sobre o Natal. É um texto com incorreções linguísticas, próprias da idade que quem o escreveu tinha na altura - 11 anos-, mas já com um estilo bem vincado que nos leva a um final inesperado. O texto não tem qualquer correcção. Estás virgem. Foi escrito pelo meu neto mais velho, Ricardo de seu nome, agora a caminho dos 15 anos.

NATAL
Num dos primeiros dias de Inverno, estava eu a passear pela rua do meu bairro,para fazer as compras de Natal. O céu estava com uma cor triste; havia mares de pessoas com o mesmo objectivo que eu. Passava pelas montras mas não via nada, só belas coisas inúteis a cintilarem e a parecer dizer: -"Comprai-me, comprai-me". Mas eu não caía nessa.
Continuei com o meu destino, até que vi um homem, quase nu, com um aspecto tão pobre, que não tinha pão nem o seu ninho. Ao lado dele estava um café; fui lá, comprei um chocolate quente, ofereci-lho e cobri-o com o meu casaco; ele agradeceu-me, e com uma voz rouca sussurrou-me: «que Deus te abençoe ho, ho, ho». Fiquei com as palavras na cabeça; essas palavras pareciam-me familiares. Continuei a andar lentamente, quando percebi que aquelas palavras vinham da língua polo-nortês, mais conhecida como polo nortiano, e que a pessoa que as dizia era o... De repente ouvi um barulho estranho, olhei para trás e vi o mesmo homem, que por acaso estava mais gordo, em cima de um trenó a dizer: Made in POLO NORTE, com um super motor do caraças, com renas a conduzi-lo; era quem eu pensava: o Pai Natal!
- "Ho, ho, ho, Feliz Natal"- disse ele.
E eu todo contente agradeci-lhe.
E lá ia ele no seu trenó com um motor potente, até que este ficou sem gasolina, mas eu reparei que o motor estava cheio. Então pensei logo que o trenó vinha do chinês e ere verdade; começou a chover (infelizmente) e na tira que dizia made in POLO NORTE, apareceu made in CHINA. Então fiquei a pensar que o Pai Natal é um falso e nunca mais lhe escrevi.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

É Natal


O Natal está aí. A época, o consumismo. O dia vai chegar pra semana e apesar da crise (qual crise?), continuo a pensar que, com muitas prendas, muita comida. Declaração de intenções: o meu Natal é o do Menino Jesus. Por isso fui roubar ao http://www.teoriadoscalhaus.blogspot.com/ o blog do meu amigo barcelense Flávio Lopes da Silva, do qual tive o prazer de participar na apresentação do seu novo livro de poesia "Sou um Louco que sabe tocar Acordeão", o seguinte texto:
"É Natal. Temos um mês inteirinho para pensar no que é que iremos pedir ao Pai Natal. Uma bicicleta. Um peluche. Um jogo de cozinha. Duas notas de vinte. Uma cunha na secretaria da câmara.
O Natal é fixe. Ver as pessoas na rua munidas de cartão de crédito, gastando suor em décimas de segundo, contribuindo para a milionaridade do Belmiro de Azevedo, comprando coisas larocas para durar dois dias e depois, lixo, é um espectáculo a não perder neste Teatro em qualquer rua perto de si.
O nosso coração enche-se de brilhantes, vemos tudo a piscar, os preços nas lojas a piscar-nos os olhos, a madamme a experimentar um vison que o amante, que é manso, lhe diz: “leva meu amor!”.
Os shoppings carregados de ratoeiras para o freguês com chinesices e guloseimas de criar abcessos.
Os banqueiros sorrindo, as contas de uns emagrecendo e a de outros ganhando banha da boa.
O capitalismo ganhando cabedal, o operário, coitado, tem cinquenta putos ranhosos lá em casa a pedir um matraquilhos.
Gosto do natal porque nesta época a tristeza e a miséria - que parecem duas fufas - vão dar uma volta ao bilhar grande, e durante alguns dias irão dormir com o rafeiro. Ah, que sorte!
Tudo é bonito, tudo fala de amor como se isso fosse um instrumento de tocar nos lábios. A Fraternidade, esquecem-se que é um caramelo que se desgasta, e o Amor, acreditem que não sai em cabaz algum.
As crianças calçam sapatos novos mas continuam a calçar as meias rotas.
Os jornais a falarem de fadas e princesas, o mundo a maravilhar-se com a fantasia, milhões de barbies preenchem as casas. As guerras em stand by.
O negócio sempre a render, o vegetariano rompe com a sua filosofia e desbunda uma boa coxa de perú. Pela rua a beleza é um samba português já que a farsa anda bem disfarçada.
Os três reis magos a passarem na minha zona de Porshe, com seus ares de quem nunca participou em greves, anunciando o nascimento do menino pobre.
É natal. A crença ganha mais adeptos. Acreditar é um espectáculo que faz subir as caixas registadoras, mais velas derretidas para nomear um Santo padroeiro.
Depois das trocas de prendas, de passado o efeito do espumante, do circo que foi ao ver o sogro a engasgar-se com uma espinha do bacalhau, depois de olhar a factura da luz e do arrependimento de ter deixado não sei quantos dias o pinheirinho ligado, a consumir quilos de watts, depois de termos desacreditado a criança quando tentávamos imitar o Pai Natal, e ela, assim que abrimos a boca, disse: “eu conheço este hálito!”, vem a realidade ao de cima acompanhada de feras e outros gigantes horrendus; e que não está para cócegas!
Pois é, esta é a parte mais triste desta história de Natal, já que, depois da luminosidade e do riso, vem a tristeza, depois da festa surgem os telefonemas dos senhores bem educados do banco a pedir que actualizemos a nossa situação bancária, e o pai tolo e a começar a levantar a voz para a mulher que está cansada de lavar tachos queimados. E depois é o filho que quer ir para o ginásio queimar as calorias causadas pelas rabanadas, mas claro, o guito foi-se e, décimo terceiro mês só para o ano. E os operários de novo na realidade com espinhas, puxando com a força de braços as máquinas perras, a terem que produzir mais e mais, a alegria a baixar seus níveis de beleza, Jesus Cristo a ser banalizado nas anedotas, as uvas passas misturadas com a ração para o rafeiro, a guerra a fazer peito, o combustível a diminuir nos depósitos, o Ferrero Rochê a fazer estragos nos intestinos. O sentimento das pessoas a ser entendido apenas com manual de instrução!
E porque a realidade não se deixa enganar, o melhor é não oferecermos uma capa de super-homem aos nossos filhos, uma vez que ele poderá pensar que será capaz de voar e os resultados são desastrosos. Viva o Pai Natal! Viva a electrónica! Viva o Belmiro que nos deixa sonhar em cada prateleira de Hipermercado! “Viva eu cá na terra” a tentar consertar o meu pessimismo!
Ainda dizem que o Natal havia de ser todos os dias. O caraças que havia! E depois quem é que paga as favas?!"
Obrigado Flávio, continua a ser irreverente e politicamente incorrecto

domingo, 14 de dezembro de 2008

Este é o Nico

Depois de ter escrito o post aí em baixo, resolvi, como faço de vez em quando, revisitar a poesia de Eugénio de Andrade, um dos poetas de que mais gosto, embora não me entusiasmem particularmente os seus últimos livros. De qualquer modo, é sempre bom refrescar a memória com boa poesia. Para escrever este post tive que ter a aquiescência do Nico (o meu gato) que teimava em ter a sua lição habitual de escrita. Anda a aprender a teclar.liyg78u64767 cv6988n0’ 8ui nbfffhnbhdfngdçlhjiuyc675z5432w. Como podem ver, não minto. Autorização concedida, e para agradecer a boa vontade do Nico, achei por bem deixar-vos aqui um poema do Eugénio, no qual nos fala de alguns dos seus gatos.

ACERCA DE GATOS

Em Abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no punhal, não lhe tive,
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.

O persa azul de que se fala neste poema chamou-se Micky e foi-lhe oferecido num dia de anos, por quem sabia da sua afeição por gatos. Dele disse Eugénio: «o meu amor por esta alminha era materno». E continuou:«Que um homem assumisse poeticamente a maternidade não poderia causar estranheza mas que tratasse por “alminha” o seu gato era coisa de que só o diabo se lembraria». Um dia Micky adoeceu com cálculos renais, doença comum nos gatos persas, e não foi possível salvá-lo.
Diz-nos a terminar, o poeta: “E lembro-me bem da nossa despedida, o oiro dos olhos embaciado.
Eu sempre soubera que a beleza era o que havia de mais frágil sobre a terra”.
Poema in O Sal da Língua. Prosa sobre o persa in Rente ao Chão

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Palavras


Hoje tinha pensado falar de palavras. Aqui chegado, e a esta hora, verifico que estou "seco". Nem a imaginação nem as palavras me surgem. E porque não quero maltratá-las, pois como diz Eugénio de Andrade, "são como um cristal as palavras", vou deixar que falem por mim a fotografia acima e o próprio Eugénio.

LUME DE INVERNO

O lume. O lume rasteiro. O lume
ainda. Vem de tão longe. Da casa
térrea sobre a eira,
casa onde qualquer coisa pequena
pulsava.: um coração,
a água do cântaro,
o trigo a crescer.
Era tão pequeno que não sabia
como pedir uma laranja,
um pouco de pão.
Menos ainda, um beijo.
Parecia só saber
estender as mãos para aquele sol
rasteiro e para o olhar
que dos sortilégios do lume
o defendia
.

Eugénio de Andrade- In Os Sulcos da Sede - Editora Fundação Eugénio de Andrade

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Dia da Mãe

Sabe-se que as mais antigas comemorações do dia da Mãe tiveram origem na antiga Grécia em honra de Rhea, mulher de Cronos e mãe dos deuses, e depois em Roma em honra de Cybeles, mãe dos deuses. Tal como hoje se conhecem, as comemorações tiveram origem nos EEUU, onde a ideia partiu de Ana Jarvis que em 1904, aquando da morte de sua mãe, chamou a atenção para a criação de um dia especialmente dedicado às mães. Três anos depois, a 10 de Maio, foi celebrado o primeiro dia da Mãe na igreja de Grafton, e começou a campanha para um dia da mãe a nível nacional. Foi tal o êxito, que o Presidente Woodrow Wilson declarou oficialmente o 2º domingo de Maio como o Dia da Mãe. O acontecimento alargou-se a outros países, e hoje em dia, quase todo o mundo celebra o Dia da Mãe, embora em datas diferentes. Em Portugal, depois de muitos anos a ser celebrado a 8 de Dezembro, passou a ter como dia o 1º domingo de Maio.
Para mim o Dia da Mãe continua a ser o dia 8 de Dezembro. Por isso aqui vos deixo um texto poético e dois poemas.

Mãe!
vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

José de Almada Negreiros, Obras Completas – Poesia,
Editorial Estampa, Agosto de 1971


PARA SEMPRE

Porque Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água puro, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Porque Deus se lembra
- mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto do seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade


MINHA MÃE QUE NÃO TENHO

Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância

Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
ai fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da flor do campo que me traz à míngua

De que Egito vieste? De qual Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
contrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.

José Carlos Ary dos Santos
In Obra Poética - Edições Avante - 1994

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cuidado com a língua...

Porra, um destes dias vou mesmo exercer o meu direito à indignação. Eu, que quando garoto me (não) fartei de levar réguadas aplicadas pela minha mãezinha (obrigado Mãe) por, a pensar na brincadeira com os meus amigos, dar muitos erros nas cópias que ela me mandava fazer. Eu, que conforme ia ganhando consciência de que as réguadas eram cada vez menos, quanto menos erros eu desse. Eu, que por isso, passei a saber quanto valem as palavras, me custa ouvir os "bem falantes" (ex: ministros, professores, jornalistas, etc.), aqueles que têm obrigação de ser exemplo para todos, dar pontapés na gramática. Para ilustrar, trago à colação os jornalistas e pivôs da RTP, onde existe um programa que ensina a falar bem, o "Cuidado com a língua", que até já deu origem à publicação de um livro. Mas os maganos e maganas mesmo assim não aprendem. De certeza que não leram o livro. Continuam a dizer priúdo (já nem dizem periúdo) em vez de período, palavra exdrúxula. Continuam a pronunciar "exdruxulamente" metriológico em vez de me-te-o-ro-ló-gi-co. Continuam a ler alcoolémia em vez de alcoolemia. Mas não dizem anémia, os anémicos maganos. De certeza certa, não há por lá ninguém que os corrija. E caros carantonhas, estejam atentos à pronúncia de funcionamento. Ouviram? Que tal? Pelos vistos, falar mal não tem importância! Mãe, estás perdoada!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pérolas de Sabedoria



Hoje recebi de uma amiga um mail intitulado Pérolas de Sabedoria, que achei interessantíssimo e digno de ser dado a conhecer.Vou deixar aqui algumas dessas pérolas. Acho que devíamos parar por uns instantes e meditar, e desejar que tão sábias palavras sejam música para os nossos ouvidos. Paremos então e meditemos.

"No que mais se diferenciam os pássaros do ser humano,é a sua capacidade de construir mas deixando a paisagem como estava.

Robert Lynnd

"A actividade vence o frio, a quietude vence o calor"

Lao Tsé (séc. VI, A.C)

"O mundo não te deve nada. Existia antes de ti"

Mark Twain

"A primeira flor que nasceu na Terra era um convite à canção ainda não nascida"

Rabindranath Tagore

"Todos estamos de visita neste momento e lugar. Só estamos de passagem. Viemos observar, aprender, crescer, amar, e voltar para casa.

Dito aborígene - Austrália

A propósito desta última pérola lembra-me do que dizia o já meu saudoso amigo, que nos deixou a 31 de Agosto pº.pº, Joaquim Castro Caldas. Espero que lá por onde andes continues a ser " o intérprete da vontade do pássaro", pois como disse o poeta Menandro, "morrem cedo os que os deuses amam". Dizia o Joaquim:- "A vida, são as férias da morte"

Coisas (interessantes) da vida

Coisas da arca do velho! Se é certo que somos o produto das nossas memórias, é também certo que costumamos guardá-las, normalmente bem arrumadas, numa arca que a par com elas vai também envelhecendo. Hoje fui à arca-memória buscar uma história ainda relativamente fresca. Há alguns anos, no departamento da empresa onde trabalhava (hoje sou um jubilado activo), trabalhava também um colega, bom rapaz, amigo do seu amigo, mas sofrendo de um razoável défice cultural e de uma certa dificuldade vocabular para exprimir os seus conhecimentos. Em determinada altura, uma das funções que me calhou-me em sorte, foi supervisionar o seu trabalho. Um dia, porque entendi que determinada tarefa não tinha sido bem executada, pedi-lhe que a corrigisse. Não querendo dar-se por vencido (nem convencido) logo ali começou uma "discussão" que corria o risco de se tornar interminável.Para por fim ao imbróglio disse-lhe: -"Ó M, cala-te.Reduz-te à tua insignificância!" Resposta pronta do M, que achava que devia ter a última palavra: "Cala-te tu, porque a minha insignificância é maior que a tua." E eu calei-me.

O M sabe que de vez em quando conto esta história. Aliás, já a contei na presença dele.
A arca vai continuar aberta, e decerto será a ponte para outras histórias interessantes. Amen