terça-feira, 26 de julho de 2011

Polícias e ladrões

Quando ontem li no JN a notícia “gangues negoceiam metralhadoras no Porto”, lembrei-me de um episódio que também mete polícias e ladrões, o qual me provocou algum riso tempos depois. Numa das praças do Porto, outrora com nome de pintor célebre descendente de portugueses, e agora com nome de político, existe um café onde param as mais variadas gentes, nas quais se incluem as duas categorias acima referidas. Normalmente sou um sofrível frequentador de cafés, e a esse, por norma só vou quando, por conveniência, tenha que me encontrar com pessoa amiga. Numa dessas ocasiões reparei que muita gente fixou em mim o olhar, quando franqueei a porta de entrada. Porque nas outras vezes nunca havia reparado, estranhei o facto. Dias depois, ao comentar “a coisa” com um amigo jornalista, este riu-se e então lá veio a explicação. «Simples, meu amigo. Quando entraste, de um lado a expectativa. Olá, temos ladrão novo! Do outro lado a interrogação. Quem será este polícia? Explicação dada, veio a gargalhada. Fim.

"Bonecos de fogo preso"

O meu amigo Seixas Branco partiu. Poeta, pintor, o Castelinho, como também era afectuosamente tratado (Seixas Castelo Branco) deixou-nos, entre outros mais recentes, nos quais experimentou uma renovada linguagem poética, um livro admirável - "Bonecos de fogo preso" - escrito há mais de 50 anos, e que infelizmente nunca foi reeditado. Nele plasmou com inusitada mestria, as gentes da ribeira do Porto (ele, que era transmontano), o São João das Fontaínhas, o quotidiano dos bairros ribeirinhos. Poemas, que juntos, eram um só e fantástico poema, de uma teatralidade espantosa, (ele também pisou esses terrenos). Talvez que agora, lá, onde estará a chegar, encontre alguém que dê ao "Bonecos de fogo preso" o palco que merece. Amigo, até sempre.

domingo, 17 de julho de 2011

Luzes

É claro que não gosto também do actual governo. Apesar de ser um governo de paus-mandados, uma coisa me preocupa. É que não vi ainda que esteja a crescer o nariz ao mentiroso chefe-pinóquio. A quadrilha (refiro-me à dança, é óbvio) vai funcionando, embora os passos não estejam, por enquanto (alguma vez estarão?), ao ritmo que o país deseja.
Devo, no entanto, confessar que estou absolutamente de acordo com uma das medidas já tomadas pela ministra da agricultura e outras actividades mais, qual seja a de reduzir o ar condicionado, no sentido de reduzir o consumo energético, melhorar o ambiente e poupar uns cobres ao Estado. Para isso nada melhor do que começar por despir os homens, ordenando-lhes que deixem as gravatas em casa. Espero que a seguir seja o casaco e se fiquem por aí. “Sans blague”. É que a gravata faz-me lembrar a luta que encetei nos idos de 1971, e para a qual incentivei os colegas, na empresa em que trabalhei, um grande grupo financeiro, para que trabalhássemos sem gravata e sem casaco, manobrando grandes e antigas máquinas de contabilidade, as avós (algumas já bisavós) dos actuais computadores. Ganhámos a luta e passámos a produzir mais e melhor.
Por isso aplaudo a medida da ministra. É que mesmo com janelas nos edifícios do ministério, sem ar, ou com menos ar condicionado, ainda que seja por sugestão, entra mais luz nos serviços e porventura nas janelas da alma dos funcionários. E, quiçá, nas da própria ministra.
E porque no parágrafo anterior falei em janelas, termino com um texto do meu amigo e colega Nelson Ferraz

 uma luz

A percentagem de pessoas que costuma tirar partido das janelas e varandas de suas casas é uma coisa tão minúscula, que chega a parecer perfeitamente escusada, essa tradição humanóide de fazer aberturas envidraçadas nas paredes dos edifícios.
Algumas dessas peças das casas irão desaparecer, sem nunca terem tido um hóspede ou um abano de cortina.
… o segmento de rua onde resido, deve ter, pelo menos, umas cinquenta coisas dessas (entre varandas, janelas e janelinhas do tipo respirador).
São 22,45h, reina a noite e o silêncio das persianas.
Apenas uma janelinha estreitinha, com luz. (???)
É evidente que, lá ao fundo, no outro lado da rua, alguém se recusa
a cagar às escuras.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Gatos especiais


"O gato é o único grande sedutor que sabe onde e quando deve parar, para não passar de sedutor a seduzido"
(Anónimo)

"Prefiro os gatos aos cães, pois não há gatos polícias."
Jean Cocteau 

Gosto de gatos. Também gosto de outros animais domésticos. Mas gosto particularmente de gatos. Gosto da  forma como brincam, como mostram quando estão zangados, de como não nos ligam nenhuma quando os chamamos, de como são independentes. Gosto de gatos. Tive a Baby (ou ela teve-me) durante 18 anos. Morreu depois do Nicola, gato vadio que eu acolhi e tratei quando uma “besta” o encontrou de cabeça metida num saco de restos, e o quis matar à paulada. Viveu lá em casa cinco anos. Partiu levado por uma doença congénita. E aqui me confesso: nunca chorei tanto por ninguém, como chorei pelo Nicola. Agora tenho o Nico, duas cores, preto e branco, o dono da casa, o nosso “menino”. Portanto, gosto de gatos. Ponto.
O meu amigo e colega N.F., também gosta de gatos. Como ele, por feitio, não gosta muito de se expor (por isso o identifico pelas iniciais do nome), terei que cometer uma pequena e inofensiva “traição” (outros dirão, uma inconfidência) pois vou falar da sua gata, que lá em casa todos tratam como se fosse uma pessoa da família. Infelizmente por doença, a gata foi submetida a uma cirurgia e ficou paralisada das patas traseiras, o que origina enormes dificuldades à sua locomoção.
Então, exteriorizando o carinho a afeição e o amor que lá em casa todos tem pela gata, o meu amigo, como bom poeta que é escreveu em sua homenagem o poema que fecha este texto.

KELLY
(uma gata especial, quase pessoa)

ainda tens pássaros nos olhos
mesmo que de fugida
agora.
e os degraus da escada castanha
também os tens nos olhos
mesmo que num esboço
agora.
e esse azul esse belíssimo azul
que eram lagos nos teus olhos
ainda o tens
mesmo que um azul baço
agora.
ainda tens nos teus olhos
o jogo das escondidas que repetias
no mesmo sítio de sempre
mesmo que já não jogues
agora.
agora ainda tens nos olhos
a mesma nesga delicada de ternura
felina e doce e brava
e
com uma dignidade enorme e cheia de silêncios
arranhas a vida numa serena decadência
que os biscoitos não escondem.
agora
lá no fundo desses teus olhos incrivelmente belos
há uma paisagem desconhecida
que de uma forma rebelde e injusta
desenha colos intranquilos
nos teus ronrons.

Nelson Ferraz in “Gondomar Económico”, Julho de 2011

domingo, 10 de julho de 2011

Entre ria e mar

Fotografia da Costa Nova nos anos 50/60 do séc. passado.


Por isto ou por aquilo cá estou há quase mês e meio entre céu, ria e mar. No meu sítio de eleição desde criança. Um sítio onde posso movimentar-me livremente, onde, se quiser posso andar descalço, em calções ou em tronco nu. Um sítio onde alguns me conhecem, onde eu conheço alguns, onde outros me vêem passar e eu os vejo passar, conheço-lhes as caras, conhecem-me as caras, mas para eles eu não existo, e eles não  existem para mim. Mas desta vez, entre ria, céu e mar, por isto ou por aquilo, a minha liberdade é limitada. Estou mais tempo com a ria do que com o mar. Mas tenho esperança que um dia destes a liberdade plena voltará. E então poderei livremente gozar dos prazeres da ria e do mar. Porque a Costa Nova é um lugar aprazível, mesmo quando sujeito às frequentes nortadas. Merece que a estimemos e gostemos dela. Eu faço-o desde menino.
Acabemos então este texto com um poema do poeta e dramaturgo e mais não sei o quê, brasileiro, Millor Fernandes. Poema que suponho foi publicado há alguns anos, no suplemento Pif-Paf, do extinto Diário Popular.

Poeminha de Louvor ao Strip-tease Secular

Eu sou do tempo em que a mulher
nem mostrava o tornozelo;
que apelo!

Depois, já rapazinho
vi as primeiras pernas de mulher
por sob a curta saia;
que gandaia!

A moda avança,
a saia sobe mais,
mostrando já joelhos
lupercais!

As fazendas com os anos,
se fazem mais leves,
e surgem figurinhas, pelas ruas,
mostrando as lindas formas quase nuas.

E a mania do sport
trouxe o short.

O short amigo,
que trouxe consigo,
o maiô de duas peças.

E logo, de audácia em audácia,
a natureza, ganhando terreno,
sugeriu o biquini,
o maiô, de pequeno, ficando mais pequeno
não se sabendo mais,
até onde um corpo branco,
pode ficar moreno.

Deus, a graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!



sexta-feira, 8 de julho de 2011

Por isto ou por aquilo

Por isto ou por aquilo tenho andado arredado do blog. Causas várias, umas mais graves que outras, fizeram com que assim acontecesse. Porque isto, causa próxima, pode ser consequência de aquilo. Mas aquilo, causa mais afastada, pode ter sido, e foi-o de certeza, origem do isto. E tudo isto e aquilo se consubstancia no isso, conceito que esconde, indefinido, o que possa ter acontecido com o isto e com o aquilo. E como o homem é a sua circunferência, perdão, o homem é a sua circunstância, como disse o filósofo espanhol Ortega Y Gasset, isto é, o homem é o resultado daquilo que o rodeia, da procura de valores pelos quais vai pautar o seu caminho, isto ou aquilo foram as circunstâncias que me levaram a estar tanto tempo ausente do convívio dos ilustres carantonhas que fazem o favor de me seguir. E como “o caminho faz-se caminhando”, ou “se hace camino al andar” como escreveu num poema o poeta espanhol António Machado, vamos tentar “caminhar” aqui pelo blog, ainda que um pouco mais devagar. Então, até mais logo.