sábado, 1 de agosto de 2009

Carta a uma senhora da Justiça


Cara senhora

Há já uns dias, vi num jornal diário, a sua fotografia ilustrando uma resposta a um inquérito de rua. Apesar de poder considerá-la bonita, não foi a fotografia que me chamou a atenção, mas sim a profissão e a idade. Juíza, 29 anos. 29 anos? Juíza? Aqui, os bichinhos da cabeça começaram a fazer rolar as esferas (se eu fosse máquina, mesmo máquina, diria os rolamentos) do pensamento e… espera lá!, juíza, 29 anos? Inevitavelmente as esferas levaram-me até à proximidade do estado calamitoso da justiça no nosso país. Não é que em primeira instância a senhora seja directamente culpada desse mesmo estado, mas mais dia, menos dia, será tão culpada como aqueles que possíbilitaram que aos 29 anos seja juíza. Com isto, não quero menosprezar a sua inteligência, o esforço e o apego ao estudo para chegar aí. Mas…
Há sempre um mas, não é? Vejamos. Curso acabado aos 21, 22 anos, estágio, exame para poder exercer, entrada para o curso de alguns anos do Centro de Estudos Judiciários, e enfim juíza. Até chegar aqui quantos casos advogou, quantas defesas, quantas acusações? Quanta experiência acumulada? Quantos desempenhos de juízes(as) observou?
Qual o seu amadurecimento para exercer a profissão de juiz? Qual a sua experiência de vida que lhe possibilite ter nas mãos os destinos de alguém?
Poderia continuar a fazer perguntas, a algumas das quais saberia responder, e a tecer considerações que teria capacidade para rebater.
Mas fico-me por aqui esperando que compreenda que não a quis atingir pessoalmente, mas sim ao sistema que permite que seja juíza aos 29 anos. Aqui chegado, lembrei-me de Almada Negreiros e do seu Manifesto Anti-Dantas. Diz-lhe alguma coisa? Se o aplicar à Justiça…
Espero que não me julgue, quer dizer, não julgue desfavoravelmente o que escrevi.

Se me permite, cara senhora, terminarei com um poema dee Sidónio Muralha, em louvor de todos aqueles que ainda acreditam que a justiça há-de arrancar a venda dos olhos e tornar-se mais justa e equitativa. Até sempre, se possível com melhor justiça.


PARA VÓS O MEU CANTO


Para vós o meu canto companheiros de vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem acidez nos desertos;
vós, que modificais o leito de um rio;


- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim : e confio;

- para vós os meus versos, companheiros de vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios para cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...
Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juizo...
Que o Dia do Juízo
não é no céu... é na Terra!

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