terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Se

Há dias escrevi aqui sobre Kipling e o seu poema Se e prometi voltar a ele e a uma ou outra curiosidade, sobre o mesmo. Há várias traduções para o português. A mais conhecida é a de Félix Bermudes, poeta, filósofo e autor teatral, e foi divulgada por João Villaret. Da tradução de F. Bermudes  resulta um belíssimo poema, arriscaria a dizer, melhor que o original, uma vez que no fundo é uma reescrita. Isto, porque, e aqui vai a primeira curiosidade, o original tem trinta e dois versos e a tradução de F. Bermudes tem quarenta e oito. Uma segunda curiosidade aparece na tradução do poeta António Ramos Rosa. Nesta, o poema tem trinta e um versos, em vez dos trinta e dois originais. E agora o poema, que o poeta escreveu com conselhos para o seu filho.

Se

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu…
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê…Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário…
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de
amor e bênçãos de perdão…
Se podes dizer bem de quem te calunia…
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)…

Se podes esperar sem fatigar a esperança…
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho…
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho…

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores…
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores…

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste…

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo…

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante…

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre…
Se vivendo entre os reis, conservas a
humildade
Se inimigo ou
amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade…

Se quem conta contigo encontra mais que a conta…
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraie em séculos fecundos…

Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!…
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os
erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, - então serás um homem!…


2 comentários:

Pedro disse...

Absolutamente GENIAL!
E perdoem-me... mas este poema é meu.
O foi-o. Enquanto o li.
Agora também pode ser vosso.
Assim o sintam.

"Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos…""

Fico só com esta, está bem!!!?

Abraço. Feliz Natal e essas coisas....

Pedro. Em Portugal de passagem.

Pedro disse...

Sorry. Uma ligeira correcção de que só hoje dei conta.
Esta mania da perfeição... de ligar aos pormenores.
O de estar atento.
Gosto.
Pois então!!!

Absolutamente GENIAL!
E perdoem-me... mas este poema é meu.
E foi-o. Enquanto o li.
Agora, também pode ser vosso.
Assim o sintam.

"Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos…""

Fico só com esta, está bem!!!?

Abraço. Feliz Natal e essas coisas....

Pedro. Em Portugal de passagem.