Quando jovem, estudei no Instituto Comercial do Porto (ICP), hoje ISCA, do qual era director um engenheiro da hoje extinta UEP- União Eléctrica Portuguesa. Não recordo do nome do dito director, mas tenho bem presente a imagem fisica, quase ridícula, do mesmo. Os carantonhas que andam pelos quarenta e tal, cinquenta e pico, sessenta e qualquer coisa, se tinham e têm o hábito de ler jornais, lembrar-se-ão de uma tira de BD publicada no Primeiro de Janeiro, o Reisinho, personagem pequena e gorda. Assim era também o nosso director. Conhecido entre os alunos por Reisinho, por duas razões: por ser o director- o rei - e por ser gordo e baixo como a personagem dos quadrinhos. Ora, o nosso director, na cerimónia de abertura do ano escolar, utilizava sempre a mesma expressão ao iniciar o seu discurso de boas vindas: "Nem só de pão vive o homem, mas também vive de pão". Aqui chegado, e parafraseando o director, direi também que "nem só poesia vive este blog, mas também vive de poesia". Se aí em baixo já aparece um ou outro poema, é tempo de trazer aqui a boa poesia de dois antigos colegas e meus amigos pessoais, a qum muito estimo: a Maria Mamede e o Nelson Ferraz, os dois já com vários livros publicados.
Maria MamedeCartas Quando te escrevo, meu amor
E nunca te escrevo,
Vai a minha alma inteira
Nessas linhas
E escrevo palavras comezinhas
Sem encanto, sem esplendor
Sem poesia,
Palavras
Sem prata de luar
Sem luz do dia
Palavras,
Onde a noite principia
Nas sombras qu dou
A qualquer carta;
Quandop te escrevo, meu amor
Nada te digo
De saudade de ti, de nós
Do mundo
Nem falo
Do luto profundo
Que habita cá dentro
Em minha voz
Nas palavras que calo
Que não canto;
Ayh meu amor
Como dói tanto
Calar
Nas cartas que não escrevo
As notícias que tenho p'ra te dar!
Mas sei
Que as cartas que não escrevo
O vento tas irá levar!..
AmanhãQuando em mim se enrosca esta agonia
De dor lancinante e sem sossego
É a ti que me agarro e apego
Para ouvir: "Amanhã é outro dia!..."
Quando a noite chega e é fantasia
Num sonho que não quero e que renego
Tu dizes: "Amanhã, é outro dia!"
E a ti me agarro e apego.
Não tires a mão da minha mão
Não deixes de ser a condução
Que necessito p´ra seguir confiante...
Não te apartes de mim; ando sem norte
Nesta vida sê meu braço forte!
Vai negra a noite p´lo futuro adiante!...
Estes dois poemas constam da Antologia DEZSETE da Edium EditoresCSempre que imaginava
Cobria-te de estrelas
E vai-te
Cavalgando um cavalo de vento
Que de crinas soltas, negras como a noite,
Desaparecia no espaço
Voando até outras galáxias...
Agora, que te conheço,
Cubro-te de Sol,
E coroo-te de miosótis!
(Azul e oiro sempre formaram uma combinação perfeita).
Claro que o nosso romance há-de acabar;
Nessa altura, voltarei a cobrir-te de estrelas,
Mas levarei comigo os miosótis!...
Do livro Pelas letras do alfabetoNelson FerrazCostumava procurar-te no ébano da ausência.
Não te encontrava nunca na tarde.
Nem nas gotas aveludadas na chuva nos vidros das janelas.
Nem em lado nenhum dos meus passos.
Já nesse tempo me apetecia escrever-te.
Já nesse tempo me apetecia gostar de ti.
Por isso podes imaginar a alegria que tenho agora.
Agora que te tenho na borda da minha alma.
Fizeste das minhas horas
Um ramo de momentos de oiro
E ficaste de mão dada
Às páginas dos meus sonhos
Deixa-me dizer-te mais uma vez que te amo.
Da micro colecção PINGUIM POESIA EM PÓ
A VONTADE
A vontade entricheirou-se no poente
E tudo vai ser diferente
A partir deste verso
O homem desinventou a mensagem
Mas não abranda nunca a sua foice
Por isso, os cadernos e as searas
Vão ser sempre uma viagem
Onde o vento vai ser notícia
E no coração rebelde e submerso
Do papel e dos livros
Vai nascer, um dia destes, a inquietude
De quem não desiste das perguntas
Porque a vontade é um falcão
Uma semente de manhã
Do livro As palavras côncavas-Editora Ausência
Eu tinha uma montanha
azul como as calças de um palhaço
cheia de flores
azuis como olaço de um palhaço
um dia convidei o palhaço
para visitar a minha montanha
e o palhaço vestiu-se todo de azul
e foi
foi um dia lindo
azul como o casaco daquele palhaço
mas o tempo foi passando
azul como tude de um palhaço
e a montanha desapareceu
azul como a saudade de um palhaço
eu tinha uma montanha
azul como a história de um palhaço
cheia de sonhos
azuis como as lembranças
um dia vieram outras cores
para pintar a montanha
e o palhaço escondeu-se no azul
e foi
foi à procura de uma página
azul onde coubesse a vida toda
De Novíssimos, Antologia-Editora Ausência
Aqui ficam alguns poemas da Maria Mamede e do Nelson Ferraz. É só uma pequena amostra daquilo que eles são capazes de fazer. Usem-nos (aos poemas), mas não os abusem (os poemas)