terça-feira, 12 de maio de 2009

Manuel Alegre




Imagem "roubada" a sergeicartoons.com

Manuel Alegre é, para mim, um dos maiores poetas portugueses, senão o maior, a partir da segunda metade do séc. XX. Já Mário Sacramento dizia, referindo-se ao seu livro de estreia, que havia nascido o maior poeta do neo-realismo português. Chegou mesmo a compará-lo a Camões referindo o lado epopeico da sua poesia.

Manuel Alegre faz anos hoje.

Manuel Alegre de Melo Duarte, nasceu em Águeda a 12 de Maio de 1936. Estudou no Porto, em Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi campeão de natação e fez teatro no TEUC (Teatro dos Estudantes da Univ. Coimbra). Em 1961 foi mobilizado para Angola, onde participa num movimento de resistência no interior das Forças Armadas e numa tentativa de revolta militar.Preso pela PIDE, passa seis meses na Fortaleza de S. Paulo de Luanda, onde escreve grande parte dos poemas do seu primeiro livro, Praça da Canção. Em 1963 voltou a Coimbra, mas porque continuou a ser perseguido, entra na clandestinidade, e é eleito membro do comité nacional da Frente de Libertação Nacional e passa a trabalhar em Argel na emissora "Voz da Liberdade". Regressou a Portugal após o 25 de Abril. Escreve entre outros, Praça da Canção, O Canto e as Armas, Livro do Português Errante, Senhora das Tempestades, todos poesia; Alma, Terceira Rosa (romance); O Homem do País Azul, contos e Cão Como Nós, novela.

(Notas biográficas in O Quadrado (contos), edição Dom Quixote)

O seu livro de estreia, Praça da Canção, começa com um belíssimo texto,poema em prosa, Rosas Vermelhas.

É desse texto que vamos transcrever alguns excertos, uma vez que é algo extenso.

Rosas Vermelhas

"Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz das rosas a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.

E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.

Nesse tempo o sol nascia exactamente no meu quarto. (...) Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. (...) E tudo estava certo, nesse tempo, ou pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. (...) Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sonho, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:

-Mãe!

E logo essa voz tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, (...)

Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o meu sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? (...)

Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só (...) era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada (...) era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura (...)

Os fantasmas tinham entrado no meu sono (...) os fantasmas eram donos do país. E se eles viessem de repente, a meio da noite e eu chamasse:

-Mãe!

a voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. (...) Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?

Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto. No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.

Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez - quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela."

1 comentário:

Nelson Ferraz disse...

Manuel Alegre é um daqueles mágicos grandes, enormes, cheio de nós e de sonhos lá dentro. Os seus truques sabem a coração, a coragem e a ternura.
Sem dúvida, um dos mais profundos génios da nossa, e, particularmente, da "minha" literatura.