quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O Jardineiro Míope

Estava há pouco a acabar de jantar, e de repente, bruummmm, um estoiro enorme. Foi um trovão, mesmo aqui por cima.O Nico (o meu gato), que me fazia companhia, assustou-se, saltou do aparador para a mesa, da mesa para o aparador, do aparador para o chão, deixou uma restolhada e foi esconder-se. Diante de tal estoiro, eu cá, pensei "eh pá, o tempo está zangado.Ou será «Deus», que lá em cima não está a gostar do que se passa cá em baixo?".Para os ateus será o Tempo, para os cristãos será Deus. Mas o que é facto é que o mau tempo, em especial a chuva não nos deixa e em vez de benefício, está a tornar-se um prejuízo. Já me desviava do trovão. Depois de ouvir o estoiro, lembrei-me de um poema de Sidónio Muralha. Se aceitarmos que Deus, que segundo dizem tudo vê, é a entidade que comanda tudo, não teremos dificuldade em acreditar no que escreveu Sidónio Muralha no seu poema O Jardineiro Míope. Mas que terá a ver um jardineiro, com uma trovoada. Vamos ver. 


O JARDINEIRO MÍOPE


O jardineiro míope levanta-se às cinco horas e vai dar alpista
às flores
E a seguir rega os pássaros
e enquanto vai regando vai dizendo:
“que bem que cantam as minhas papoulas”
Um dia, a Liga das Senhoras Mais Bondosas do Mundo,
teve um gesto malvado
e ofereceu óculos ao jardineiro míope
que ajustou implacavelmente as imagens
perdeu toda a poesia
e viu tudo de maneira tão clara
que teve a ideia escura de pedir emprego de funcionário público
enquanto a presidente da Liga
da Liga Mais Bondosa
mais bondosa do mundo
subia para o céu
e se sentava à mão direita de Deus Padre
que lhe enfiou uma bofetada divina
que todos nós ouvimos em forma de trovão.

Boas trovoadas, carantonhas









1 comentário:

Anónimo disse...

É por estas e por outras que gosto de trovoadas. É realmente o mais próximo que sinto a presença de Deus. É sempre através da Natureza.
No melhor e no pior.
Mas que uma boa trovoada é fascinante é. Contar os segundos depois do relâmpago até ao trovão para saber a que distância está.
Coisas, da minha infância.
Quando ainda se ia para a aldeia...
Sangalhos ou Cinfães.
Em Cinfães dada a localização, as trovoadas eram um espectáculo fantástico, numa altura em que nessas noites, nem televisão havia, já que a electricidade era a primeira a falhar.
Quanto ao poema...

"Um dia, a Liga das Senhoras Mais Bondosas do Mundo,
teve um gesto malvado
e ofereceu óculos ao jardineiro míope
que ajustou implacavelmente as imagens
perdeu toda a poesia
e viu tudo de maneira tão clara
que teve a ideia escura de pedir emprego de funcionário público".

Realmente, quando se é previsivel, demasiado claro, coerente e constante, perde-se toda a poesia e a imagem de funcionário público aplica-se bem.

Bom ano e muita saúde. Para podermos correre atrás de tudo o resto.

Pedro.